segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

O Carnaval em Sesimbra em tempos distantes

 
Outrora o Carnaval em nossa terra era extremamente animado, e de tais atrativos que a ausente mocidade conterrânea, como a de terras vizinhas tudo deixava para aqui vir passar algumas horas alegre Os bailes de máscaras nas Sociedades eram de maior animação ainda que actualmente, enchendo-se por completo os dois vastos Salões a tal ponto que só depois da meia noite se podia dançar!

Afora enorme número de mascaradas estranhas às colectividades, todas as famílias de sócios, naquelas noites ali concorriam, havendo esposas que durante o resto do ano nem mesmo a boas Récitas iam, mas não faltavam àqueles bailes, deixando os filhitos ao cuidado dos avós, pois, coitadas, também tinham direito a ter umas noites de franca risota e alegria Às vezes lá sibilava, proveniente de atrevidas máscaras, qualquer piadita que fazia corar os castos maridos, porem, era Carnaval e os efeitos tornavam-se nulos.

Pelas Sociedades desfilavam centenas de mascarados envergando elegantes costumes e custosos vestidos, a par de vestes antiquíssimas legadas pelas bisavós e de dezenas de travesti os mais variados Enfim supomos que poucas vilas teriam bailes marquês tão animados e concorridos!

E o que aparecia de dia cá fora merece ser lembrado, ora se admiravam as bem ensaiadas Danças e Mascaradas com grupo musical, ora se gargalhava ao ver-se os sem graça mais ou menos roxoados...

Para estes, como amável prova ele aplauso, nunca faltava a nossa típica Pardelada, de que nós temos o exclusivo, isto é, o arremesso de cabeças de cação, talos de couve, batatas podres e alguma pedrita…

Tal delicadeza estava tanto no hábito dos sesimbrenses que alguns mais circunspectos não podiam resistir à tentação de também enviar a sua pardeladinha.

E os foliões sobretudo os vestidos com serapilheiras a imitar os ursos, descontentar-se-iam se não fossem recebidos com tais carícias, o que lhes provaria não terem suas gracinhas merecido aplauso – As Mascaradas organizadas, essas poderiam, sem deslustre, ser exibidas em qualquer parte, tal era a sua perfeita apresentação! Viram-se coisas esplêndidas! Foram formosas as Danças ensaiadas pelo Jirica, um algarvio, funileiro e quarto clarinete da Música Velha. Se, como amador musical, nada se evidenciou, como dirigente de Danças musicadas foi altamente apreciado Também vimos marchando garbosamente pelas ruas uma Companhia, com corneteiro e fanfarra, de marinheiros de 9 a 13 anos, fardados e equipados de espadins e espingardas, – de madeira é claro – não faltando até, atrás da formação, a perfilada praça com a mochila da Ambulância!

As mães dos marinheiritos, a essas é que a principio nada lhes agradou a massada da confecção dos fardamentos para os filhos – boinas, calças compridas e camisolas brancas, com cabeção azul - porém quando os viram marchar impecável mente pelas ruas da vila, ao delirante estralejar de palmas e aplausos, todas elas se comoviam esquecendo os trabalhos passados… A Fanfarra era também constituída por rapazitos, à pressa ensinados por Miguel Santana que para eles compôs um Passacalle em que os dedos pouco tinham a fazer Quase todos, depois de adquiridos maiores conhecimentos, ingressaram na Música Nova.

Apareciam também grupos menos numerosos mascarados a preceito, e outros piadando com alusões a episódios do ano, passados não só na terra como na Capital - Igualmente se destacava um grupo de rapazes naqueles tempos, quási todos carpinteiros, que em vários anos se evidenciaram em coisas interessantes Duma vez nos lembramos ter visto em movimentos passados nas ruas, uma couve, um repolho, um nabo, uma cenoura e um rabanete, belos produto agrícolas com 3 a 4 metro de altura! E perfeitíssimos, tudo na devidas proporções! Uma beleza de hortaliça! Vejam, pois, que trabalho, que tempo roubado ao descanso nocturno e que despesas para se apresentar coisas tão perfeitas! E nada pediam! Nem sequer naqueles tempos se instituíam prémios pecuniários para o que melhor se apresentasse! Por esta narrativa se poderá fazer ideia do que era o Carnaval em Sesimbra, há meio século!

Mas ainda havia um outro Entrudo muito sesimbrão, aquele que começa em 22 de Janeiro e se prolonga às vezes por mais de 30 dias Esse era aproveitado – à parte mascaradelas noturnas às casas de pessoas amigas – para partidas algo fortes, levadas a efeito por rapazes já grandes como por exemplo, a grossa brincadeira do Badalo, que é mais um exclusivo da nossa terra, pois não nos consta que noutras estivesse em uso.

Somente para elucidação de algum curioso leitor de fora, diremos que tal coisa consta duma pedrinha com 4 ou 5 quilos de peso, envolvida em cordel enredado, ao qual se amara outro cordel bem comprido, por causa de se poder salvar as costelas, em caso de perigo. Depois prende-se a dita pedrinha à argola ou outra coisa aproveitável da porta de entrada da casa da vítima escolhida Tudo em ordem, os operadores põem-se a grande distância e vá de puxar o cordel comprido, que não mais largaram, e a porta vai sofrendo amolgadelas a compasso, como badaladas, o que faz acordar os moradores próximos, e ainda primeiro o paciente que de ordinário é escolhido entre os mais exaltados, daqueles que abrem a porta, não raramente armados, vociferando palavrões insultuosos e que correm a procurar os badaleiros que, a rir, nesse momento, já estão longe.

Esta partida grossa é feita sempre muito depois da meia-noite.

É um pouco arriscada e já tem dado lugar a consequências dolorosas. Contemos, das muitas de nosso conhecimento, uma trágico-cómica: No Largo das Camionetes, talvez onde hoje se vê a Latoaria Mira, habitava numa casa baixa, o tio João Grilo velho marítimo, inofensivo e bonacheirão.

Uns foliões, já barbados, preparam- lhe um badalo, e encostaram a uma das Acácias existentes no Largo, um boneco de palha.

Despertado pelos estrondos, tio João, saltando da cama conforme estava, e praguejando, abriu a porta, logo agarrando furiosamente um almofariz de pedra que servira de bebedoiro às galinhas, e correu sobre o boneco, atirando-lhe o pesado objecto à cabeça, o que o fez redondamente cair, para não mais, por si só, se erguer! Atónito e aterrado, tio João vai direito a casa, gritando à sua velhota – já levantada também – que estava desgraçado, que tinha morto um dos patifes e que ia fugir para bem longe, desaparecendo logo na direcção da Fonte Nova.

Gritos e grande alarido na vizinhança! Alguns mais animosos aproximaram-se do morto… e qual o seu espanto quando verificaram tratar-se dum boneco! Grandes gargalhadas já de cinquenta ou mais pessoa, não tardando que quase toda a população soube se do caso.

No entanto, alguns parentes, temendo suicídio, foram em busca do assassino, resultando baldado seus esforços. A pobre velhota, essa, coitada, é que não mais descansou nessa noite, mas ao romper do dia apareceu-lhe a tia Maria Cebola que, em segredo, lhe participou que o marido estava lá no Casalito, próximo ao Forte do Cavalo, e que ela mesmo seria portadora do que quisesse.

Grande alegria da chorosa velhota que logo se pôs a caminho, com o fato do marido, pois o desgraçado tinha fugido só com a camisola e ceroulas…

Zé Sesimbrão
Publicado originalmente n'O Sesimbrense
n.º 1.124 de 8 de Fevereiro de 1948