sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

O Porto de Sesimbra

Iniciativas no século 19

A aspiração de Sesimbra por um porto de abrigo é antiga. A sua Câmara Municipal, na reunião de 18 de Setembro de 1890, aprovou uma Representação, dirigida ao Rei, em que lhe solicitava que:

se digne mandar proceder aos precisos estudos, e depois às necessárias obras, para que no extremo poente da praia desta vila, se faça um porto de abrigo para embarcações (...) O porto de abrigo é tão necessário e indispensável quanto é certo que, numa costa como a desta vila, nenhum recurso há para o salvamento de vidas e de embarcações – resultando daqui gravíssimas consequências, como é obvio.

Era nessa altura presidente da Câmara o armador Alípio Loureiro. Não é por isso de estranhar que, no ano seguinte, o engenheiro Adolfo Loureiro – que era seu primo – tenha elaborado uma planta para um porto de abrigo no local apontado pela Câmara (1).

Esta foi a primeira de inúmeras petições que os sesimbrenses fizeram, para que fosse construído um porto de abrigo na sua baía. Uma nova petição, em Abril de 1896, levou o Governo, através duma Portaria de 30 de Abril de 1896, a mandar estudar um pequeno abrigo, projecto que estava pronto em 5 de Agosto do mesmo ano.

É provável que seja este o projecto o que Adolfo Loureiro reproduziu na sua magna obra, Portos Marítimos de Portugal (de 1909).
Projecto de Adolfo Loureiro para um molhe de abrigo em Sesimbra,
publicado no ano de 1909.

Adolfo Loureiro escreve que o projecto "procurava aliar a necessidade impreterível dos barcos de pesca com a mais rigorosa economia, a fim de poder ser executado com o auxílio pecuniário, ou de trabalho, oferecido pela Câmara e pelos interessados, sem tolher de futuro a possibilidade de alargar-se-lhe a área abrigada, conforme fosse necessário, mas sem se perder coisa alguma do que agora se fizesse."

Ainda segundo Loureiro, "A área abrigada do SE mediria 2.100 m2, e 3.000 a do S., em baixa-mar, área que se elevaria a 10.000 m2 em preia-mar. Calculando-se que em média seriam precisos 35 metros quadrados por barco de pesca para estacionar, aquele pequeno abrigo poderia dar cabida a 60 barcos, refugiados do SE., e a 86 do S., ou a mais 28 em preia-mar."

Apresentado o projecto ao Conselho Superior de Obras Públicas e Minas, em Novembro de 1896, este foi de parecer que o projecto poderia ser aprovado a título de “tentativa e experiência”, parecendo-lhe, porém, que o molhe, pelas suas acanhadas dimensões, não ofereceria garantias de resistência em ocasião de fortes temporais. Assim, entendia o Conselho que deveria modificar-se o projecto, aumentando-se, tanto as dimensões dos blocos da primeira fiada, como os das fiadas superiores, elevando-se a largura do molhe de 2 a 4 metros, e dando-se-lhe maior altura.

Adolfo Loureiro, reconhecendo aquelas considerações eram "sensatas e prudentes", explica que foi por economia de meios que optou por aquela solução. A verdade é que nunca o Governo mandou executar a obra, nem sequer reformular o projecto.

O molhe dos anos 1920

A iniciativa de construção do porto só volta a ter novo impulso no período da Primeira República, e muito pela iniciativa de Joaquim Brandão, dado o seu prestígio junto do Governo. O ministro António Granjo visitou Sesimbra, em Agosto de 1921, a convite das autoridades locais, acompanhado do sr. engenheiro Claro da Rica, que não aprovou o plano do seu colega Adolfo Loureiro, mandando fazer outro. A obra teve então início, mas logo em Novembro desse ano, um vendaval destrói parte do molhe; reforçou-se a estrutura, mas em Janeiro de 1922 o mar provoca novos danos.
O primeiro molhe, construído na década de 1920.


Interromperam-se as obras para a realização de novos estudos; em 1923 consolidaram-se as obras já executadas e retomou-se a construção, mas dos 180 metros previstos, só se construíram 70 metros: em 1925, novos temporais quebraram o molhe em cinco partes, e a obra foi abandonada. A partir daí, a pouco e pouco, a malfadada muralha foi sendo destruída pelas vagas.
Inacabado e desprotegido, o molhe foi sendo destruído a pouco e pouco.



O porto das décadas de 40 e 50

Entre 1947 e 1949 foi construído um novo molhe, agora num ponto mais extremo da baía, permitindo alargar a área de protecção das embarcações. Mesmo assim, o pano da muralha revelou-se insuficiente para conter as vagas, pelo que teve de ser acrescentada uma cortina de cimento ao longo de todo o molhe.

O novo molhe, durante a construção.

Um molhe, porém, não chega para fazer um porto de abrigo. Só na década seguinte é que foram contruídas as primeiras estruturas internas do porto, nomeadamente uma ponte cais em forma de T, que mais tarde viria a ser alargada, abrigando então o edifício da lota, que até aí tinha lugar na praia, a poente da Fortaleza de Santiago.

O molhe visto desde o Forte do Cavalo.
à esquerda é visível a ponte-cais em forma de T.

Em 1950 foi aberto concurso para obras no interior no porto, incluindo uma rampa vazadouro, muros de resguardo do enraizamento do molhe, escadas no empedrado para serviço de pequenas embarcações, enchimento da caldeira junto ao molhe velho, ponte cais e respectivo acesso, trabalhos que tiveram início em Dezembro, terminando em 1951. No entanto, parte destes investimentos só seriam concretizados em 1963.
1963: construção da estrutura para instalação de diversos equipamentos.


Plataforma que resultou da ampliação da ponte-cais.


Só em 1973 é que a lota pode ser transferida da praia para o novo edifício no porto de abrigo. Apesar de representar uma melhoria das condições de higiene em que era feita a transacção do peixe, a mudança representou também a perda de um cartaz turístico inigualável, e até a perca de postos de trabalho: os numerosos pescadores que se ocupavam, com as suas chatas, do transporte do peixe, desde as barcas até à praia, ficaram sem trabalho dum dia para o outro.

Nesse ano de 1973, nas quadras dos Santos Populares, encontravam-se várias referências à mudança da lota:

  Sesimbra já não tem lota
Oh meu rico S. João
Levaram-na lá p'ra doca
Pró "Campo de Concentração".
A lota foi p'ra "barraca"
E de quem foi o capricho?
Do bicho de sete cabeças
Ou sete cabeças sem bicho.

Primitivas instalações da lota no porto de abrigo
de Sesimbra, que começaram a funcionar em 1973.


O porto dos anos 80

O novo porto representou uma grande melhoria para as condições em que operava a frota de pesca sesimbrense. No entanto, logo aquando da sua construção, se verificou a sua exiguidade. Aproveitando a melhoria de condições portuárias, mas também das novas tecnologias de navegação (rádio-telefone, sondas electrónicas, rádio-goniometros, sistemas de navegação Loran e Ómega) os barcos passaram a navegar para mais longe, para novos pesqueiros, aumentando a dimensão das embarcações e da frota.

A exigência de um novo porto de pesca intensificou-se após a Revolução de 1974 e, depois de muita discussão em torno do projecto do novo porto, em Dezembro de 1984 foi finalmente adjudicada a sua construção.
Construção do novo molhe, em 1985.


Em Dezembro de 1985 já se encontrava construído 1/3 do novo molhe.


Em Outubro de 1987 o novo molhe, com 900 m de comprimento, encontrava-se concluído, seguindo-se mais dois meses para acabamento do revestimento interior. Passar-se-ia então à construção dos equipamentos interiores: cais de acostagem rampas, edifícios. Já se ponderava também a necessidade de um quebra-mar a partir da praia, frente ao Hotel do Mar.

Início dos aterros para construção das infraestruturas portuárias.


Construção das rampas para os estaleiros navais.

Notas:

(1) Carlos Manito Torres, Gazeta dos Caminhos de Ferro, 1-5-1934
João Augusto Aldeia