domingo, 31 de janeiro de 2016

   Sesimbrenses ilustres
Joaquim
Brandão
                                  

Joaquim Preto Brandão nasceu em Sesimbra, filho de José Maria Brandão e Maria da Arrábida Preto. O pai era tesoureiro da Câmara – uma ocupação que obrigava a ter meios próprios e oferecer bens em garantia. Era um proprietário suficientemente importante para que chamassem "Largo do Brandão" ao largo próximo das suas propriedades, o qual tem actualmente a designação de Largo de Bombaldes. A rua que parte deste largo, na direcção nascente, tem precisamente o nome de Joaquim Brandão.

Casou-se em Setúbal em 29 de Dezembro de 1904; tinha então a profissão de guarda-livros (contabilista) da casa comercial Izidoro dos Santos & Ct. Por volta de 1912 estava estabelecido como solicitador, também em Setúbal.

Na sua juventude rumou para Setúbal, onde se destacou nas lides jornalísticas. "O Jornal de Cezimbra" de 14 de Janeiro de 1900 refere-se-lhe como "O bizarro poeta Joaquim Brandão, um dos novos cezimbrenses de mais brilhante futuro literário (…) redige, com Luciano de Carvalho, o semanário conceituado "A Folha de Setúbal".

O jornalismo foi uma das suas actividades mais permanentes: participou na redacção do número único de "Arrábida" (1899), no "semanário democrático" "O Sul" (1901-1902) e em duas séries de "A Folha de Setúbal", periódico do qual chegou a ser director.

Mas foi na política e no exercício de funções públicas que se viria a destacar. Em Setúbal, envolveu-se com o movimento republicano, e foi um dos fundadores do Centro Republicano daquela cidade. Em 1897 fez parte da comissão instaladora da Associação de Classe dos Empregados no Comércio, de Setúbal e há notícia de, em Janeiro de 1905, ter participado nas festas daquela Associação, num espectáculo em que foi lido o seu poema "Os Oprimidos".

Em Abril de 1908, o jornal "O Distrito" referia a participação de Joaquim Brandão em comícios em Palmela e Setúbal, afirmando que "quem deu a nota cómica foi o secretário da mesa, sr. Joaquim Brandão, que é presidente da direcção da «Real Associação dos Bombeiros Voluntários», apresentando uma moção em que se convida El-Rei a resignar o seu cargo para facilitar o advento da república". Para além da sua intensa actividade em Setúbal, também apoiou activamente os republicanos de da sua terra natal, participando em muitas das suas iniciativas.

Após a implantação da República, Joaquim Brandão participou na Comissão Administrativa da Camara de Setúbal, como seu presidente. Quando, em 1911, se deu a divisão dos republicanos entre três partidos (Evolucionista, Unionista e Democrático), Joaquim Brandão optou pelas hostes evolucionistas, tal como aconteceu com o Centro Republicano de Sesimbra. Na década de 1920 aderiu ao Partido Republicano Nacionalista, de feição mais conservadora.

Entre 1911 e 1926, foi eleito deputado por Setúbal. No Parlamento pugnou pela criação da Junta Autónoma das Obras do Porto e Barra de Setúbal, de que viria a ser vice-presidente, e pela elevação do Liceu de Setúbal a Liceu Nacional. Foi também autor do primeiro projecto-lei para a criação do distrito de Setúbal. Foi chefe de gabinete dos ministros Jorge Nunes e António Granjo, funções em que teve um papel determinante para que se levassem cabo as obras do primeiro molhe do porto de abrigo de Sesimbra.

Joaquim Brandão faleceu a 22 de Outubro de 1927, tendo recebido homenagens de todos os sectores da sociedade e de diferentes orientações políticas. No seu funeral usaram da palavra, entre outras individualidades, o tenente-coronel João Tamagnini Barbosa, do Partido Republicano Nacionalista, o ministro Jorge Nunes; o Dr. Manuel da Costa Júnior, representante do Partido Republicano Português de Sesimbra, e Lino Correia, em nome do Centro Republicano Nacionalista dr. Leão d'Oliveira, de Sesimbra.
João Augusto Aldeia

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Maria Ana de Áustria
em Sesimbra

A Gazeta de Lisboa de 1731 traz esta interessante notícia da visita da rainha Maria Ana de Áustria – casada com D. João V – à "outra banda", ou seja, ao que hoje se designa por Península de Setúbal, mas melhor seria chamar Península da Arrábida:

No tempo em que Sua Majestade, e suas Altezas estiveram da outra banda do Tejo, se divertiram em ver a quinta de António Cremer, a de João Pedro Soares Coutinho, a de João Guedes de Miranda, Senhor de Murça, a de Manuel de Sousa em Calhariz, a do Marquês de Nisa, em Palhais, e a dos Duques de Aveiro em Azeitão. Fizeram várias montarias a javalis, veados e lobos. Viram as pescarias das armações de Sesimbra, e a das chinchas de Setúbal, e alternando os divertimentos com as devoções, visitaram o devoto Convento da Arrábida, o mosteiro das Religiosas de Jesus de Setúbal, as milagrosas imagens de Nossa Senhora do Cabo, e del Carmen, e a Lapa de Santa Margarida.

Decorreu esta visita em Junho de 1731, e ainda Azeitão pertencia ao concelho de Sesimbra. Quer Manuel de Sousa – antepassado dos Duques de Palmela – quer os Duques de Aveiro estavam longe de sonhar a perseguição que lhes seria movida no reinado seguinte – o de D. José, que nessa altura era ainda um jovem, que faria 17 anos neste mesmo mês, e que acompanhava a mãe nesta visita galante.
O Príncipe D. José, que acompanhou a mãe na visita à "Outra Banda do Tejo".


Tirando a visita ao Convento de Jesus e o passeio a ver as chinchas, o passeio decorreu essencialmente no concelho de Sesimbra, onde a Rainha esteve por mais de uma vez. E logo na primeira vez que veio a Sesimbra, aconteceu que se estava a preparar, na Igreja Matriz, o baptizado de uma menina, filha de Francisco Xavier da Silva, que ocupava o cargo de Juíz de Fora de Sesimbra. Continuemos com a reportagem da Gazeta:

No primeiro dia que Sua Majestade foi a Sesimbra, visitou logo a Igreja Matriz, e estando nela para se baptizar uma filha do Juiz de Fora da mesma vila, lhe fez a honra de ser sua madrinha, e com a sua ínclita piedade a sustentou nos seus reais braços, inspirando tanta edificação e afecto em todos os circunstantes que observaram, com admiração, tão rara benignidade, que não puderam deixar de a testemunhar com lágrimas.

Deve ter sido um momento memorável para quem assistiu. O registo de baptismo, no dia 5 de Junho, não só comprova a notícia, como ainda que o príncipe D. José – que fazia anos no dia seguinte – foi ele próprio padrinho da menina, oportunamente baptizada como Mariana.

Registo de baptismo da Mariana, filha do Juiz de Fora de Sesimbra: "foram Padrinhos por contacto físico a Sereníssima Rainha D. Mariana Josefa Isabel Sofia de Áustria e o Sereníssimo Príncipe D. José".


A Rainha, Maria Ana Josefa Isabel Sofia, era filha do imperador da Áustria, Leopoldo I, e da sua mulher, Leonor Madalena. Uma irmã desta Leonor Madalena, Maria Sofia, casara com D. Pedro II e, portanto, era mãe de D. João, o que quer dizer que Maria Ana de Áustria casara com um primo em primeiro grau.

A Rainha era pessoa muito culta, que conhecia e falava várias línguas (alemão, francês, italiano, espanhol, latim e português, além de perceber o inglês). Também se interessava por coisas do mar, gostava de passear ao longo do rio Tejo com a Família Real e a Corte, onde assistia frequentemente a festas e serenatas no rio e lançamentos de navios no mar

João Augusto Aldeia

sábado, 23 de janeiro de 2016

   Sesimbrenses ilustres
Marcos Vaz Preto,
o Padre Marcos (1782-1851)

Foi o sacerdote sesimbrense mais destacado, e também o político mais influente dos que nasceram nas piscosa Sesimbra. Participou activamente na grande mudança civilizacional que transportou Portugal do Antigo Regime até ao Liberalismo. No entanto, é praticamente desconhecido dos sesimbrenses

Marcos Pinto Soares Vaz Preto nasceu em Sesimbra, filho de Marcos Pinto, proprietário de uma armação de pesca, e de Maria Soares. Seguiu a carreira eclesiástica, ingressando na Ordem de Santiago, e foi ordenado Padre, tendo tido responsabilidade nas paróquias de Alhos Vedros e da Penha (Lisboa).

Aderiu ainda jovem aos ideais liberais: quando, em 1808, circularam clandestinamente em Sesimbra publicações imbuídas do pensamento Liberal, o Juíz de Fora comunicou ao Intendente a suspeita de que a autoria seria do Padre Marcos, conhecido aderente ao "partido francês".

Quando se deu a revolução Liberal e se organizaram as primeiras eleições universais em Portugal, em 10 de Dezembro de 1820, o Padre Marcos dirigia a paróquia de Alhos Vedros, e coube-lhe fazer uma Oração aos eleitores que se reuniram nesse dia. Publicada pouco tempo depois, essa Oração tornou-se num documento de referência do Liberalismo, contribuindo igualmente para a fama do sacerdote sesimbrense.

Após a promulgação da Constituição de 1822, o Padre Marcos foi nomeado para uma comissão encarregue de reformar as Ordens Seculares, mas a oposição da Igreja, e o golpe contra-revolucionário da Vilafrancada impediram essa reforma. Visto pelo novo poder como um traidor, foi desterrado, em 1823, para Mesão Frio, acabando por ter de abandonar o País, em direcção à Inglaterra, após a aclamação de D. Miguel. Ali dirigiu os jornais “Português Emigrado” e “Paquete de Portugal”, de apoio aos Liberais. Juntou-se depois às forças que vieram combater o absolutismo. Foi na viagem para os Açores que Marcos Vaz Preto conheceu D. Pedro, de quem se tornaria amigo e confessor – tal como de D. Maria, a quem votaria uma estreita fidelidade política.

Acompanhando os liberais portugueses na reconquista do poder, foi ele que celebrou a missa campal que antecedeu o embarque para o Mindelo, e seria ele próprio um dos seus "bravos". Durante o cerco do Porto, trabalhou na organização do socorro médico aos feridos e no abastecimento dos víveres.

Já com o Liberalismo restabelecido em Portugal, Marcos Vaz Preto dirigiu a reforma da Igreja portuguesa. Foi ainda nomeado Vigário-Geral do Patriarcado e Arcebispo de Lacedemónia.

Após a Revolução de Setembro de 1836, como defensor da rainha D. Maria II e da Carta Constitucional, acabaria por ser preso, demitindo-se então de todos os seus cargos, excepto o de Esmoler Mor. Mas acabaria por ser eleito para o Parlamento, onde esteve de 1834 até 1851, participando activamente em importantes debates, tendo pertencido a diversas comissões parlamentares: a Eclesiástica, a de Instrução Pública, e a de Redacção do Diário da Câmara.

O Padre Marcos pertenceu à Maçonaria, actividade de que pouco se conhece, sabendo-se que foi um dos fundadores da Grande Loja Provincial de Portugal Livre e Aceito, ramo irlandês, que dirigiu entre 1842 e 1851.

É reconhecido que Marcos Vaz Preto, quer pela sua influência junto da opinião pública, quer pelas funções religiosas e parlamentares, quer ainda pela influência directa junto da elite governante, teve um poder enorme no estabelecimento do Libera-lismo em Portugal, participando directamente em muitas das reformas que moldaram o novo regime. O seu papel na transformação da Igreja, aliado ao facto ao facto de despachar sobre muitas matéria que normalmente caberiam ao Papa, levaram alguns a dizer, com ironia, que era ele o Papa em Portugal: "Marcum Papam Habemos".



"Escolhei o mais virtuoso, o mais justo, o mais honrado, o mais sábio, o melhor de entre vós"
No dia 10 de Dezembro de 1820 realizou-se o primeiro acto eleitoral de sempre em Portugal, em que toda a população foi chamada a votar. Foi uma eleição indirecta para um Parlamento Constituinte. Para maior solenidade dessa eleição determinou-se que os párocos deveriam fazer uma Oração alusiva, explicando aos paroquianos os motivos da eleição e o modo como ela deveria decorrer.

O Padre Marcos, há muito tempo aderente às novas ideias Liberais, produziu um notável discurso, explicando porque é que um novo regime era necessário, para melhor governo do País. Criticando o regime em que a classe governativa vinha apenas da Nobreza, o Padre Marcos explica as circunstâncias que os esses "Grandes" deixaram de representar seus ilustres avoengos, pela "ignorância dos deveres sociais".

"Quando a Pátria corre risco, perigam, e estão arriscadas, todas as classes de que ela se compõe (…) Os direitos de uma justa liberdade quebrados, e ofendidos, a honra violada os recursos exaustos…". Era assim que o prelado caracterizava as consequências do regime absolutista sobre a vida das pessoas, verberando também os governantes que, "com a mira nas honras, Benefícios e Dignidades, sem vocação, por comodidade e modo de vida, são os primeira a golpear a Fé de Nosso Senhor Jesus Cristo."

Na sua descrição dos males que afligiam o País, o padre Marcos cita Sesimbra: referindo-se a "certa povoação pescadora, que é minha Pátria particular, onde a pesca chegou a pagar setenta por cento, e cobrados com tal, e tão bárbara tirania pelos emissários e membros do vil despotismo, que a reduziu ao mísero estado de abatimento e desgraça em que hoje se acha, e que precisa muitos anos para levantar-se."

Marcos Vaz Preto empolga os seus paroquianos com o apelo: "Recobrai, Portugueses, a coragem, valor e energia que formam o vosso carácter", apontando-lhe o objectivo da eleição: "Queremos uma Constituição que seja nossa, adequada aos nossos usos, conforme a nossos costumes, que nos torne felizes fazendo reviver o Comércio, a Agricultura, e as Artes, e que patrocine as Letras, conservando cada Cidadão na posse pacífica dos seus bens, e os direitos de uma justa liberdade."

Uma Constituição que, "formada sobre os princípios da Lei natural, conserve a Santa Religião de Jesus Cristo na sua pureza." Mais especificamente, era necessário criar condições para "que floresça a Agricultura como o primeiro, o mais nobre, o mais subtil emprego, o mais digno do homem social", e "que se reparem as fábricas, que os capitalistas da Nação sejam obrigados a promover por elas o bem de tantas povoações, hoje quase desertas".

Referindo-se às capacidades dos mais humildes, Marcos Vaz Preto propõe "que se aproveitem os talentos, e engenhos onde aparecerem, que a Pátria lance mão destes brilhantes mais estimáveis que as pedras preciosas, o ouro e a prata”. Tratava-se de talentos que tanto podiam aparecer “nas margens do mar, debaixo das rústicas choupanas", como "nas populosas cidades."

Porém, preocupado com as deturpações que, ainda hoje, prejudicam as eleições, faz votos "para que o espírito do Senhor se digne dirigi-las, para que o suborno, o espírito de partido e intriga as não contamine, e perverta."

Num aviso especial aos eleitores, proclama: "Que a paixão vos não domine, que o amor vos não cegue, que o ódio vos não iluda. Escolhei o melhor!"



"Devo justiça e gratidão aos Pescadores"

Em Maio de 1843 discutia-se no Parlamento a forma que deveria tomar o imposto sobre a pesca, havendo mesmo quem defendesse que os pescadores não deviam sequer pagar imposto. No meio dessa acesa discussão o Padre Marcos faz uma longa intervenção: “Devo justiça e gratidão à Classe em que nasci”, diz, referindo-se às suas origens. ”Meus pais viviam na abundância, e a sua fortuna era um estabelecimento grande de pesca; grandes armazéns cheios de todos os apetrechos necessários à pesca; muitos barcos; uma companha de perto de 100 homens; uma armação grande era propriedade sua.”

E qacrescenta: "Eu amo esta Classe; sou amigo dela; nunca neguei que lhe pertenci; só o crime é que faz vergonha; o homem que vive do trabalho, que não é ocioso, é sempre um ente responsável."

O Padre Marcos respondia assim a acusações que lhe estavam a ser feitas por outros deputados, de que teria voltado as costas à classe dos pescadores, ao defender uma determinada forma de imposto sobre a pesca. O sacerdote sesimbrense também contrariou uma proposta para que fosse estabelecida uma licença individual para pescar, à semelhança da licença para caçar: "Quanto às licenças para pescar, não as admito. Matrículas sim. Quero que haja liberdade de pesca em toda a extensão da palavra; licença para caçar, entendo que é preciso, porque é necessário usar de armas defesas por Lei, e convém ver a quem elas se concedem; mas os instrumentos necessários para se pescar são muito inocentes, não é necessário licença."

Outro assunto de actualidade que aborda é o do prejuízo provocado pelas redes de arrasto: "A rede de arrastar traz o pasto do outro peixe, o musgo, o limo, o marisco pequeno, o golfão, e os cardumes de arribação fogem das costas, porque estão varridas por redes de arrastar."

Também os abusos dos cobradores do imposto merecem a atenção do Padre Marcos: "Os pescadores tremem do inexorável gancho dos Fiscais, que recebem o tributo em género. O gancho atira sempre ao maior e melhor peixe, e deixa aos pescadores o pequeno." E exemplifica como actuavam os fiscais: "Pescavam os pescadores, por exemplo, 10 corvinas. Uma era do dízimo, outra dos direitos reais, uma da saída da Foz, uma da imposição e vinténs do mar, uma de cestearia, uma de vendagem: ficavam quatro!" – ou seja, desta forma o imposto atingia a astronómica percentagem de 60%!


Nota: Este texto é um resumo da conferência dada no dia 2 de Abril de 2012, no Clube Sesimbrense, integrada nas comemorações do 159º aniversário daquela colectividade.

João Augusto Aldeia


Bibliografia:
CARROMEU, Francisco, "O romantismo político do padre Marcos (1820-1851)"
CARROMEU, Francisco (2013) "Arcebispo e Maçon – O Padre Marcos na reforma liberal do estado e da Igreja (1820-51)”, ed. Colibri
LOUREIRO, Carlos H. G., "O Padre Marcos e o Liberalismo"
SORIANO, Luz, “História da Guerra Civil e do estabelecimento do governo parlamentar em Portugal”
Actas da Câmara dos Senhores Deputados
Gravura do Padre Marcos, da Biblioteca Nacional: link

[ Publicado originalmente n'O Sesimbrense n.º 1160 de 30 de Março de 2012 ]

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Mercado de Sesimbra,
antiga fábrica de conservas


Actualmente é o edifício do Mercado Municipal, com portas para a rua da República, av. da Liberdade, e largo de Bombaldes. Mas começou por ser a modesta fábrica de conservas “União Fabril”, cuja referência mais antiga data de 1892. Posteriormente funcionaram aqui as empresas conserveiras “Marques Pereira & Figueiredo”, “Ferdinand Garrec”, “Leon Delpeut” e, finalmente, a “Fábrica Lusitana”. Em 1934 o edifício passou a acolher o mercado de produtos agrícolas, que antes se fazia ao ar livre.


União Fabril

A mais antiga referência conhecida à fábrica de conservas de peixe “União Fabril” data de Outubro de 1892, numa escritura em que se afirma estar localizada na rua da Palmeira, tendo sido a empresa constituída por seis sócios, um dos quais, Justiniano Marques Pereira, é o único que continuará ligado à história da fábrica por mais tempo. Em Maio de 1896 a fábrica ainda funcionava, tendo o seu pessoal assistido à missa pela alma de José Inácio da Costa, que estaria associado à outra fábrica de conservas: a Nacional.

Marques Pereira & Figueiredo
A modesta fábrica “União Fabril”, mais tarde "Marques Pereira & Figueiredo", ocupava uma casa de pequenas dimensões. No entanto, foi o embrião duma fábrica que foi sendo ampliada ao longo dos anos, até ocupar toda a zona do actual mercado, e ainda um bocado da actual avenida da Liberdade. [Arquivo Municipal de Sesimbra]

A firma Marques Pereira & Figueiredo foi constituída em Julho de 1897, pelo já referido Justiniano Marques Pereira, e por Leopoldo Rochenback de Figueiredo. Mas trata-se de uma associação atípica: Justiniano Pereira não entra com capital algum – é o chamado “sócio de indústria”, cabendo-lhe gerir o trabalho da fábrica; Figueiredo é o “sócio capitalista”, entrando com cinco contos (ou seja, cinco milhões de Reais), e cabia-lhe indicar quais as “marcas” a serem fabricadas, em exclusividade, pela fábrica, e seria ele quem depois compraria a produção.

A realidade é que, por detrás deste investimento, encontra-se o industrial francês Leon Delpeut, já antes estabelecido com fábricas de conservas em Setúbal. É ele quem toma de arrendamento o edifício da fábrica, e é a ele que devem ser entregues os bens, em caso de dissolução da empresa. O objectivo de Leon Delpeut era o de manter em Sesimbra uma unidade fabril disponível para complementar a produção de conservas de Setúbal, nomeadamente quando ocorressem ali greves que paralisassem a produção.

Em Dezembro de 1899, por exemplo, os soldadores conserveiros de Sesimbra reúnem para tratar do problema da fábrica estar sem trabalho há seis meses, a não ser esporadicamente, e resolvem mandar uma delegação a Setúbal falar com Leon Delpeut; este promete-lhes algum trabalho, mas a gerência de Sesimbra não o concretiza.

Outro episódio ocorreu em Junho de 1907: Delpeut transfere para Sesimbra trabalhos de soldadura de latas, por haver uma greve em Setúbal. Os soldadores de Sesimbra recusam o trabalho, por solidariedade, e então Leon Delpeut acusa-os, nos jornais, de “receberem ordens” de Setúbal.

Ferdinand Garrec & C.ª

Pormenor do “projecto” que foi entregue à Câmara pela empresa Ferdinand Garrec & C.ª, em 1916, para ampliar a fábrica até à rua Serpa Pinto (actual rua da República). [Arquivo Municipal de Sesimbra]


A partir de Fevereiro de 1902, os contactos feitos com a Câmara, relativos a esta fábrica, passam a ser feitos pela firma Ferdinand Garrec & Cª. Trata-se de outra empresa conserveira instalada em Setúbal, mas da qual Delpeut é também dono e principal administrador: a fábrica de Sesimbra continua a servir para complementar as necessidades de produção das fábricas de Delpeut.

A fábrica já tinha sofrido melhoramentos em Dezembro de 1897 e em Agosto de 1898 (veja-se o desenho publicado nesta página), e em Agosto e Setembro de 1902 sofre novas reparações. Nesta altura as instalações tinham fachada para a rua da Palmeira (actual rua Serpa Pinto, que se prolongava até fazer esquina com a actual rua Jorge Nunes) e entrada para o pessoal pela travessa da Palmeira, que hoje já não existe, por ter sido aberta a avenida da Liberdade, mas o arranjo urbanístico realizado há poucos anos deixou assinalado no solo o local desta artéria.

Projecto de ampliação da fábrica em 1916. Em baixo ficava a actual av. da Liberdade, e à esquerda a rua da República. [Arquivo Municipal de Sesimbra]


No entanto, é em 1916 que terá lugar uma grande ampliação da fábrica, que a prolongará até à rua da República, encostada ao “quintal de José Rodrigues do Giro”, actualmente ocupado pelo edifício da família Giro, que alberga também a pastelaria Caseiro e a farmácia Leão. O projecto revela tratar-se de um barracão que ocupava parte do espaço que está hoje utilizado pelas bancas de verduras.

Sociedade Lusitana de Comércio

A fábrica de conservas passou depois para a Sociedade Lusitana de Comércio, passando a ser conhecida como Fábrica Lusitana. A empresa possuía igualmente uma outra unidade fabril em Santana. Era seu administrador Francisco Marques Pereira, que tinha também negócios em Marrocos, tendo chegado a instalar uma fábrica de guano na cidade de Safi.

Porém, a falta de peixe que afectou a costa de Sesimbra nos anos 30, foi fatal para a empresa, que sofreu uma acção de penhora por parte da Casa José Henrique Totta (futuro banco Totta). Em 29 de Outubro de 1933 realizou-se um leilão para venda das suas instalações fabris em Sesimbra (pelo valor base de 50 mil escudos) e Santana (valor base de 25 mil escudos). Não apareceram interessados e a 17 de Dezembro realizou-se novo leilão, já sem valor base para o edifício de Sesimbra, e o de Santana por metade.

Mercado Municipal
A Câmara de Sesimbra acabaria por comprar o edifício da fábrica Lusitana, onde veio a instalar o mercado de produtos agrícolas, que antes se fazia ao ar livre.

A inauguração do novo mercado teve lugar no Domingo, dia 1 de Abril de 1934. Mas, entretanto, foi demolida parte da fábrica, de modo a tornar mais ampla a avenida a que seria dado o nome de "Boa Esperança" (nome da barca do arrais Alberto Pitorra, que salvara muitos pescadores durante o vendaval de 9 de Abril de 1934), depois mudado para “Salazar”, e finalmente da "Liberdade".

Mesmo a funcionar como mercado municipal, o edifício viria também a ter utilização como sala de baile, sobretudo na época carnavalesca, organizados pelos Bombeiros Voluntários de Sesimbra, como forma de angariar fundos para financiar as suas beneméritas actividades.
Reconstrução do Mercado, em 1976.

Soldadores conserveiros


Já me vai custando
Subir a ladeira
Vai-me receando
Que o meu pai não queira

Que o meu pai não queira
Minha mãe não queria
Um cento de latas
Soldadas num dia

Soldadas num dia
Solda numa hora
Vai para o buano
Na fábrica do Chora

Na fábrica do Chora
Cheia de flores
Quem ganhou a greve
Foi os soldadores

Olha os soldadores
Como vão armados
Com seus tabuleiros
Todos afadistados

Todos afadistados
Ao rigor do tempo
Quem ganhou a greve
Foi o parlamento

 
 
 
Soldadores, pernas de aranha
Coisa de que eu nunca gostei
Para minha felicidade
Pernas de aranha arranjei.





A quadra de cima, divulgada por J. Roquette n’O Sesimbrense, em 1982, faz alusão aos soldadores conserveiros como bons partidos para casar.

Os versos à esquerda são da letra de uma canção alusiva ao trabalho nas fábricas de Sesimbra, e foi publicada no jornal Povo de Sesimbra, em 1976.

A “fabrica do Chora” poderá ser a fábrica de conservas que existiu na rua Manuel de Arriaga, e a palavra buano (ou guano), refere-se a um adubo feito a partir de sobras de peixe.

No último verso, a palavra “parlamento” tem o sentido de “assembleia dos trabalhadores”, segundo a senhora Encarnação Fuzeta, antiga operária conserveira, que nos deu a conhecer a canção.
 



Leon Delpeut


Industrial conserveiro com fábricas em Setúbal e Sesimbra, Leon Delpeut destacou-se pela forma vigorosa com que enfrentou o movimento reivindicativo operário, organizando os empresários conserveiros contra os movimentos grevistas.

Foram várias as estratégias a que Delpeut recorreu. O investimento que fez em Sesimbra, na antiga fábrica União Fabril, tinha também como objectivo dispor de uma fábrica a que podia recorrer quando tivesse problemas laborais em Setúbal.

Muitas vezes as greves eram decretadas quando havia peixe na fábrica, que se estragaria se não fosse preparado e enlatado. Delpeut escreveu que se lhe fizessem isso, ele “teria tratado apenas de salvar o peixe, fechando depois a Fábrica”.

Leon Delpeut foi um dos mais enérgicos defensores das “cauções”: uma verba que era devida aos soldadores mas que ficava retida pelos patrões como garantia de qualquer prejuízo, e que acabou por se tornar num sério entrave à realização de greves pelos soldadores conserveiros. E Delpeut era perentório: “Sem caução, não dou trabalho!”
.

João Augusto Aldeia


[ Publicado originalmente n'O Sesimbrense n.º 1161 de 30 de Abril de 2012 ]
José Joaquim Soares de Barros: um cientista
nas praias de Sesimbra
 

José Joaquim Soares de Barros nasceu em Setúbal, em 1721. Ao longo da sua vida teve uma brilhante carreira de cientista e diplomata, tendo pertencido às Academias de Ciências de Lisboa, de Paris e de Berlim.

Com 27 anos, foi enviado, pelo Marquês de Pombal, para Londres e Paris, para estudar Astronomia, com o objectivo expresso de vir a aplicar esses conhecimentos em apoio à política nacional, nomeadamente na determinação das latitudes e longitudes, com aplicação ao domínio geográfico dos territórios do império português. Em Paris, Soares de Barros foi discípulo do reputado astrónomo e geógrafo Joseph Nicolas Deslile.

Escreveu numerosos artigos para as Academias Científicas a que pertenceu; na de Lisboa destacam-se o seu estudo sobre o sal de Setúbal, e a determinação da população portuguesa a partir do rol dos besteiros do conto.

Um dia, porém, um “balanço da vida”, atirou-o para Sesimbra, onde dedicou o tempo a estudar a vida marinha que era arrojada às praias.

Peripécias diplomáticas

Como é que um homem com tais qualificações vem morar para Sesimbra? Trata-se de uma história algo rocambolesca.

Aproveitando os conhecimentos de Soares de Barros em Paris, o Marquês de Pombal encarrega-o de uma missão naquela cidade. É verdade que Portugal tinha um embaixador em Paris, mas era frequente serem escolhidas terceiras pessoas para missões diplomáticas específicas, as quais teriam de se entender com os diplomatas de carreira.

O problema de Soares de Barros foi precisamente esse: não se entendeu, ou melhor, desentendeu-se de tal forma com o embaixador Português que, a certa altura, julgando que a sua vida estaria em risco, abandonou a cidade-luz, e meteu-se a caminho da Pátria: ou seja, saiu “à francesa”.

Desta forma, livrou-se do Embaixador, mas arranjou outro problema: como iria explicar a Sebastião José de Carvalho Melo o facto de não ter cumprido a missão de que este o incumbira? A “solução” de Soares de Barros foi, uma vez mais, uma pequena fuga: veio morar para Sesimbra, terra suficientemente modesta, longe dos olhares dos “importantes” da época, para, dessa forma, tentar passar despercebido. E foi assim, sem muito para fazer, que se entreteve a estudar, nas praias da vila piscatória, o que acontecia às grandes algas castanhas que o mar arrojava à praia em quantidades diversas, conforme as diferentes épocas do ano.
Registo do óbito de José Joaquim Soares de Barros,
na freguesia de Santiago, em 14 de Novembro de 1793.


O mistério do golfo

Estamos em 2011, pouco mais de duzentos anos após os esforços científicos dos Académicos portugueses. Os diferentes ramos da Ciência, entretanto, evoluíram muitíssimo face aos conhecimentos da era de setecentos. No entanto, nos nossos dias, um dos mistérios da biologia marinha é o precisamente do desaparecimento do “golfo”: as grandes algas laminárias castanhas que crescem junto à costa.

Sesimbra é disso um exemplo: desapareceram as grandes concentrações de golfo que se encontravam nas rochas, junto aos morros do Macorrilho e Alcatraz, ou no Caneiro, e também por toda a costa sesimbrense, desde o Risco à Lagoa.


Memória dos "pensamentos e observações" em Sesimbra.
[ clique para descarregar ]


Mas não se trata de um problema apenas local, nem apenas Português: a laminária castanha está a desaparecer por todo o mundo. Por exemplo: no sudoeste da Califórnia americana, desapareceram 80% das florestas de golfo, desde os anos 1960.

Soares de Barros começa as suas observações referindo que “Em Dezembro e Janeiro não aparecia nas praia de Cezimbra quase nada da Alga da grande espécie, a que vulgarmente chamam Golfo”, apesar das fortes ondas que, naquela época, a poderiam arrastar. Acrescenta também que em Janeiro quase não viu a alga a que chama Chicória (Ulva Linza, ou alface-domar domar), e que, pelas suas folhas e “bela verdura, é em tudo parecida à [alface] da terra, e de qu há uma prodigiosa abundância, no seu tempo próprio, quase ao longo da mesma praia”.

Em Maio, porém, aparecem já muitos Golfos, mas ainda com raízes de pequeno volume, e “aparecem também algumas Alforrecas, e Estrelas, ainda que pequenas”. Nos meses seguintes, os Golfos aumentam em quantidade e tamanho, e aparecem também a pulga do mar, escolopendas e “milipedes” (provavelmente, minhocas).

Foi em Outubro que Soares de Barros viu os maiores golfos, com caules de “duas varas de comprimento” (2,2 metros). O interior das bases do golfo, “serve de morada a milhares de Insectos, e de assento, apoio e ponto fixo a vários Litófitos, e à maior parte de Coralinas”. Soares de Barros anotou ainda que “Estes Golfos, assim chamados pelo vulgo, são notavelmente fosfóricos, e algumas vezes durante o tempo da noite pareciam brilhar como o lume mais ardente”.

Algas sacarinas

Soares de Barros chama também a atenção para uma alga que poderia ser usada para fazer açúcar, e que éra vulgar na nossa Costa, “especialmente a de Cezimbra”.

Esta planta, escreve Soares de Barros: “é a que produz uma certa porção do melhor açúcar, o mais doce e puro de todos os que tenho visto, e ainda mais branco e mais cristalizado que aquele a que os Franceses chamam à la Royale.

Explica-nos: “Este açúcar forma-se sobre a superfície da folha do mencionado Vegetal, como uma espécie de eflorescência, depois que está por certo tempo ao Sol; e para se tirar não é preciso mais nada que sacudi-lo, ou passar-lhe a barba de uma pena”.

O uso de algas na alimentação tem mais tradições no Japão, mas essa tradição tem vindo a conquistar o Ocidente, e o certo é que na Galiza, aqui bem perto, já se colhem algas para fins alimentares, nomeadamente a alga sacarina referida pelo cientista setubalense.

Mas Soares de Barros aponta que também a alfacedo-mar pode ter aplicação culinária: “no tempo da esterilidade pode servir de sustento; eu a provei e o seu sabor não é amargoso nem picante, nem tem absolutamente nada de ingrato; e creio que, preparada em salada, lisongeará mais o gosto e terá mais votos a seu favor.” Soares de Barros termina a sua comunicação à Academia, inspirado nas observações na praia de Sesimbra, com a análise dos pequenos animais que se fixam aos cascos dos navios e que os danificam – um problema ainda hoje importante, e que justifica, por exemplo, o uso de tintas antivegetativas, cuja composição é actualmente objecto de investigação.

Soares de Barros e Sesimbra

Este texto sobre o Golfo e outras espécies marinhas, não é a única referência que Soares de Barros faz a Sesimbra. Nas “Considerações sobre os benefícios do sal comum”, por exemplo, afirma que, quando as redes não são fabricadas com a necessária flexibilidade, e não ficando, por isso, convenientemente bambas, o peixe não se embaraça tão facilmente: “esta é a razão porque os pescadores de Sesimbra pescam poucas pescadas, quando os ericeiros, que sabem trabalhar melhor as suas redes, sabem pescar mais”. Esta crítica talvez tenha alguma razão de ser, pois os pescadores de Sesimbra dominam melhor as artes do anzol do que das redes, e a pescada, em Sesimbra, era essencialmente capturada com linha de anzol.

Mas Soares de Barros, numa outra análise, faz um grande elogio aos pescadores de Setúbal, Alcácer, Sines e Sesimbra: "é para pasmar que tais homens mostrassem em semelhante comércio o mais fino discernimento, e a mais esquisita política: aquela mesma que alguns séculos depois soube formar o Paládio de Inglaterra, no famoso Acto de Navegação, concebido por Cromwell, e vigorizado por Carlos II. Assim consta por documentos que mostra que os moradores de Cezimbra não consentiam que os navios estrangeiros viessem ali carregar de pescaria, sem que fossem fretados por sua conta, e que a equipagem fosse composta de uma parte dos mareantes da mesma vila."

Cezimbra: a solidão duma larga praia
«Um balanço da minha vida atirou comigo a Cezimbra, sem eu saber para que ia ali; mas o tempo me foi mostrando o que eu tinha que admirar na solidão duma larga praia, cercada de altos rochedos, e das soberbas ondas do Mar. Os três Reinos da Natureza, dentro da terra e das águas, se acham ali em mui pequenos espaços com vistas muito notáveis; largas massas de Minerais penetram escabrosas montanhas e oferecem ao trabalho dos homens objectos de mui variadas utilidades; por outra parte, no Domínio do Oceano, espalhados pelo seu fundo, se estendem abundantes pastos que dão sustento a infinitos viventes nas suas sombrias moradas. Por cima destes lugares, nos espaços de outro Elemento, voa o povo miúdo das Aves, umas que nunca saem desses distritos, e outras que de distantes Países vêm buscar naquelas partes o seu alimento e regalo, nos dias da última Primavera. Enfim, para nenhum lado os olhos se movem, que não tenham em que ocupar-se, e que não dêem muito exercício à reflexão com o prazer da novidade.»


“Golfo” é o nome genérico que em Sesimbra se dá a uma alga castanha de grandes proporções, que existia em grande quantidade na nossa costa, pelo menos até meados do século XX. Crescendo em grandes concentrações, forma uma espécie de “floresta” submarina. Espalhadas por todo o mundo, as florestas de golfo (ou “kelp”, como é designada internacionalmente) constituem habitats de grande interesse para várias espécies marinhas. O fenómeno do desaparecimento do golfo, também por todo o mundo, constitui um dos grandes mistérios da biologia marinha.


Bibliografia:

Barros, José Joaquim Soares (1789) Considerações sobre os grandes benefícios do sal, in Memórias Económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa, Tomo I, 1789 - p. 30-31
Barros, José Joaquim Soares (1789) Memória sobre as causas da diferente população de Portugal em diversos tempos da Monarquia, in Memórias Económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa, Tomo I, 1789 - p. 123-151
Barros, José Joaquim Soares (1812) Pensamentos e observações sobre mui curiosos e importantes objectos que se apresentam nas Costas de Portugal e no fundo dos nossos Mares, in Memórias de Matemática e Física da Academia das Ciências de Lisboa, Tomo III, Parte L, Lisboa, 1912 - p. 73-84
Cortesão, Jaime (1953) Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid, Rio de Janeiro: Ministério das Relações Exteriores – Instituto Rio Branco, 1953, p. 313-315.

João Augusto Aldeia


[ Publicado originalmente n'O Sesimbrense n.º 1156 de 24-11-2011 ]

15 de Fevereiro de 1941:
O Ciclone que abalou Sesimbra

No dia 15 de Fevereiro de 1941, um pavoroso ciclone assolou toda a costa portuguesa, provocando muitos estragos. Em Sesimbra as consequências foram terríveis: 4 mortos e numerosos feridos, muitas embarcações danificadas ou irremediavelmente destruídas, profundos estragos na marginal e no edifício da Sociedade Musical Sesimbrense, destruição do “chalet” junto à fortaleza, muitas casas inundadas, com grandes pejuízos, e destruição do molhe de Angra (onde se encontra hoje o porto de abrigo).

Também na zona rural do concelho se verificaram grandes estragos, com árvores derrubadas e searas destruídas. A catástrofe desafiou a comunidade sesimbrense, mas esta soube responder ao desafio. Ainda mesmo durante a violenta tempestade, actos de heroísmo permitiram salvar muitas vidas: João dos Santos Laureano, na praia da Califórnia, salvou, entre adultos e menores, 8 indivíduos; Carlos Ribeiro, o conhecido nadador sesimbrense, salvou igualmente muitas vidas. Três médicos destacaram-se no imediato no socorro às vítimas: Manuel José da Costa Júnior, Alberto Augusto Leite, e Manuel Florentino Matias, este último da recém estabelecida Casa dos Pescadores de Sesimbra.

Os Bombeiros actuaram também com prontidão, transportando os feridos, retirando a água das casas inundadas, removendo os escombros, onde descobriram o corpo de Emilio Gonçalves Correia, de 38 anos, soterrado na marginal, o qual deixaria uma viúva e 8 órfãos, o menor dos quais com 17 meses apenas. Outra das vítimas mortais, Primo António Nero, de 48 anos, deixou viúva e 2 órfãos. Também casados, mas sem filhos, faleceram Amaro Morais, de 59 anos, e Joaquim Pedro Gomes, de 43 anos.

Após a violenta tempestade, o tempo acalmou extraordinariamente, revelando-se uma tarde calma. Os sesimbrenses puderam então verificar a extensão da destruição que, para além da frota e apetrechos de pesca, danificou muitas edificações e a rede de águas e esgotos. Sem porto de abrigo adequado para a numerosa frota, era nas ruas da vila que ficava protegida dos temporais mas, desta vez, nem aí ficou a salvo.

Para além da perdas de vidas, os danos na frota de pesca foram os mais elevados: 113 embarcações partidas, e 196 desaparecidas. A reacção do Governo foi rápida: mandou que se fizessem inquéritos sobre os prejuízos sofridos em cada concelho afectado, e um mês depois anunciava que iria financiar de imediato a aquisição de apetrechos perdidos e a reparação das embarcações danificadas, a que se seguiria a construção de novos barcos para substituição dos que tinham desaparecido - 20 % desta despesa seria considerada como subsídio a fundo perdido, e o restante deveria ser reembolsado pelos pescadores por desconto no produto da pesca, ou seja, à medida das suas possibilidades, e sem cobrança de juros. Para reconstrução da frota foi necessário, em primeiro lugar, fazer o apuramento dos prejuízos, e depois contratar os carpinteiros; em Sesimbra utilizou-se o espaço do Parque Recreio Popular como estaleiro improvisado. E como em Sesimbra não havia carpinteiros suficientes para tanto trabalho, alguns barcos foram construídos na Mutela.
Os danos mais preocupantes verificaram-se na frota de pesca: não só pela dimensão dos prejuízos, mas sobretudo porque impediam a comunidade de continuar a trabalhar e a prover-se de meios de subsistência.


Tudo isto foi feito com a rapidez possível, mas não resolvia o problema da alimentação, que se colocava de imediato: para isso a Comissão de Socorros reforçou o fornecimento de sopas, onde despendeu 1.300 escudos diários, de que beneficiavam 2.300 pessoas, tendo ainda atribuído subsídios às famílias de Amaro Morais (100 escudos mensais) e Emílio Gonçalves Correia (420 escudos mensais).

O auxílio às vitimas do ciclone constituiu a prova de fogo da Casa dos Pescadores, instalada há muito pouco tempo em Sesimbra. Foi com esta instituição corporativa que o “estado providência” chegou à vila piscatória: apoio médico e de enfermagem, parteira, construção de habitações, empréstimos para aquisição a petrechos de pesca e de embarcações, foram algumas das iniciativas da Casa dos Pescadores de Sesimbra. Tendo sido os pescadores a classe mais afectada, foi naturalmente à Casa dos Pescadores que coube a maior fatia do auxílio. Por um seu relatório citado n’O Sesimbrense em 1944, ficamos a saber que financiaram com 535 mil escudos a construção de novas embarcações, com 80 mil escudos a reparação de outras, e com 125 mil escudos a aquisição de apetrechos de pesca.

Outra importante ajuda veio dos Duques de Palmela, que facultaram, das suas matas, a madeira necessária para diversos fins: para reparação e constução de barcos, para uso doméstico como combustível - na maior parte das casas a comida era cozinhada desta forma - e ainda para construções diversas em terra.

Agradecimentos e Homenagens

Um anos após o ciclone, a vila agradeceu o auxílio, homenageando o presidente da Junta Nacional da Casa dos Pescadores, declarando-o “cidadão de Sesimbra” e dando o seu nome à marginal a nascente da Fortaleza: “Esplanada Comandante Tenreiro”. Na mesma ocasião, o Duque de Palmela foi considerado “Benemérito de Sesimbra”.

Na sessão solene, que decorreu no Salão da Vila Amália (actual escola de Santa Joana, junto à Biblioteca Municipal), para além de individualidades oficiais, tomam a palavra Henrique Tenreiro, O Duque de Palmela, e também o pescador José Francisco Viola, que, em nome de toda a classe piscatória, agradeceu os auxílios recebidos:

“Para todos os nossos agradecimentos bem sinceros. E declaro, em nome de todos os meus colegas, que não esquecemos tais benefícios, pois se não fossem eles, a miséria teria invadido os nossos pobres lares, sacrificando os nossos entes mais queridos.”
José Francisco Viola, agradecendo em nome dos pescadores.

Bombeiros no centro da tempestade

Um dos documentos mais interessantes sobre o Ciclone é o relatório dos Bombeiros Voluntários de Sesimbra, elaborado dois dias depois pelo seu 2º Comandante, Mário de Mesquita Lopes.

Vários relatos acerca do ciclone referem as 11 horas da manhã como a do início da sua fase mais violenta, mas Mesquita Lopes indica que às 9 horas da manhã já o vento se fazia sentir fortemente, provocando danos nos telhados e chaminés, nomeadamente no próprio quartel dos Bombeiros.

Estranhamente, o primeiro pedido de socorros só chegou aos Bombeiros à 1 hora da tarde, e vindo do Zambujal: Manuel Ventura Júnior fracturara uma perna, devido à queda de uma chaminé, e teve de ser conduzido ao hospital. É logo a seguir que surge o pedido para intervenção na parte mais baixa da vila de Sesimbra. Segundo Mesquita Lopes, foi às 15 horas que o fenómeno meteorológico atingiu o auge. E foi também nessa altura que ruíram dois andares da “casa esqueleto”, uma construção usada para exercícios dos Bombeiros.

O relatório de Mesquita Lopes regista os feridos que deveriam ter sido conduzidos a Lisboa: Joaquim Pedro Gomes, com perfuração dos intestinos; Edmundo Vieira, com as costelas fracturadas; Joaquim Costa Gomes, com fractura de um pé; Martinho Cheis Chanoca, com fractura do maxilar. Mas a estrada para Lisboa revela-se intransitável, o mesmo acontecendo com a estrada para Setúbal: os Bombeiros regressam a Sesimbra, onde Joaquim Pedro Gomes acabará por falecer.

Passada a fúria do tempo, os Bombeiros procuram por pescadores desaparecidos, encontrando então o corpo de Emílio Gonçalves Correia, sob os escombros da marginal, junto à Sociedade Musical Sesimbrense.

O relatório termina referindo os nomes dos bombeiros que, sob o comando de Mesquita Lopes, participaram nas operações: José António Preto Júnior, João Rodrigues Costa Júnior, José dos Santos, Manuel Rapaz Perneco, Manuel Mendes, João Marques da Encarnação, Evaristo Pereira, Herculano Santos Formiga, Franck Fernando Westerman, Joaquim António Pinto Júnior, José dos Santos Formiga, Ponciano dos Santos e Domingos Laureano. Mais uma vez fora honrada a divisa dos Bombeiros Voluntários de Sesimbra: “Humanitas, vita nostra tua est”.

Rafael Monteiro

Imediatamente após o ciclone, que atingiu todo o País, a comissão de socorro criada pelo governo pediu às Câmaras Municipais para elaborarem relatórios de avaliação dos prejuízos. Em Sesimbra essa tarefa foi entregue a Rafael Monteiro, então com apenas 19 anos, mas que já era o dirigente da Mocidade Portuguesa local (Ala 13). Com a ajuda de outros jovens da MP, entre os quais Eduardo Pereira, fizeram o relatório dos prejuízos, tanto na vila como no campo, num tempo recorde: 4 dias! A Delegação Marítima, que aproveitou os dados recolhidos por Rafael Monteiro, levaria um mês para entregar o seu próprio relatório.

O documento de Rafael Monteiro destacou-se não só pela rapidez, como pela sua qualidade. Por exemplo: toda a frota desaparecida ou danificada foi identificada pelo nome dos proprietários, pelo nome e tipo de barco e respectivas dimensões lineares e tonelagem (ver imagem abaixo).
Pormenor do relatório elaborado por Rafael Monteiro.

Este minucioso trabalho permitiu apurar um número que, mais do que a quantidade de barcos sinistrados, revela o impacto do ciclone na capacidade de pesca local: ocorreu a perda total de mais de 65% da tonelagem da frota. O Presidente da Câmara, Major Preto Chagas, achou que seria justo recompensar monetariamente Rafael Monteiro, tanto mais que tinha tido despesas com as deslocações à zona rural; porém, a reacção do jovem sesimbrão, denotando um elevado sentido de serviço público, mas também alguma da frontalidade que sempre o caracterizou, foi de recusa, retorquindo: “Na Mocidade Portuguesa aprendi a servir, e não a servir-me”. Mas, passados quatro anos, lamentar-se-ia n’O Sesimbrense: “nunca soubemos que alguém se houvesse referido à acção valiosa dos rapazes da Mocidade de Sesimbra”.

Rafael não estava a procurar louros para si próprio, pois o artigo onde se encontra este desabafo foi assinado apenas por “Um Sesimbrense”. Nesse artigo revelou a natureza desse trabalho extraordinário: “Foi necessário avaliar, in loco, todas as destruições; elaborar enormes ficheiros; catalogar nomes; riscar dezenas e dezenas de mapas; percorrer todo o concelho indagando dos males e do seu remédio. E tudo se fez silenciosamente, disciplinadamente, com confiança cega nos destinos da nossa terra”.
O Ciclone provocou grandes estragos na Esplanada do Atlântico, bem visíveis na foto, embora já limpa da maior parte dos entulhos e destroços.

Duques de Palmela

Durante o atribulado início do século XX em Sesimbra, os Duques de Palmela destacaram-se pelas acções de solidariedade para a sua população, suportando várias vezes a sopa dos pobres, em períodos de crise piscatória, ou fornecendo madeiras para a construção de modestas habitações. Idêntica atitude ocorreu após o grande ciclone, oferecendo madeiras das suas matas para a reconstrução da frota de pesca sesimbrense e outros fins.

Também neste caso os sesimbrenses souberam agradecer à Casa de Calhariz, declarando solenemente o Duque D. Domingos como “Benemérito de Sesimbra” e descerrando uma placa no largo existente no lado sul da Igreja de Santiago, o qual, já então tinha o nome dos Duques de Palmela. Esta designação viria a ser retirada após a revolução de 1974, numa acção muito polémica, dado que nunca aquela família tinha prejudicado Sesimbra através de qualquer ligação ao regime - pelo contrário, quando Pedro Holstein Beck foi presidente da Câmara, conseguiu financiamento para um novo bairro habitacional, ultrapassando as dificuldades que já então se começavam a sentir nas relações entre Sesimbra e Henrique Tenreiro.

Um fotógrafo sesimbrense

Se hoje possuímos fotografias do Ciclone de 1941 em Sesimbra, devemo-lo ao sesimbrense João Baptista Gouveia (Jojó), que retratou os efeitos da tempestade. São dele as fotos aqui reproduzidas, com excepção do discurso de José Francisco Viola, fotografia cedida pela família.

João Augusto Aldeia


[Publicado originalmente n'O Sesimbrense, n.º 1146, de 31 de Janeiro de 2011]
A Princesa de Calhariz


No dia 19 de Outubro de 1760 foi sepultado no adro da Igreja Matriz do Castelo de Sesimbra, Manuel Damásio, "moço da copa da Excelentíssima Princesa de Calhariz". Este título de nobreza referia-se certamente a Maria Ana Leopoldina de Holstein Beck, casada com Manuel de Sousa, senhor do Morgado de Calhariz. Não seria de estranhar a presença da princesa em Calhariz, mas estranho era o facto de Manuel Damásio ter sido sepultado no adro da Igreja, por ser "pobre". Porque não teria a princesa oferecido os 600 réis necessários para que a sepultura se fizesse no interior da Igreja?

A princesa Maria Ana, na realidade, passava por grandes dificuldades. O marido tinha sido preso no final de 1758, envolvido no processo dos Távoras, acabando por morrer na prisão, sem direito a julgamento, e os seus bens tinham sido apreendidos. Os Sousas de Calhariz podiam ser considerados como membros da nobreza, ainda que não tenham tido qualquer título até à época de Pedro de Sousa Holstein, que foi, sucessivamente, nomeado Conde (1812), Marquês (1823), e Duque (1850). O seu avô, Manuel de Sousa, deteve o importante cargo de capitão da Guarda Alemã, um regimento de grande prestígio. Mesmo sem ser possuidor de título formal, Manuel de Sousa casou com uma verdadeira princesa: Maria Ana Leopoldina, de origem austríaca, que nascera na cidade de Linz em 2 de Agosto de 1717, filha de Frederico Guilherme, duque de Holstein e herdeiro da Dinamarca e Noruega. Ainda hoje os titulares do Ducado de Palmela usam os apelidos Holstein Beck, herdados de Maria Ana Leopoldina.

Registo do óbito de Manuel Damásio,
"mosso de copa da Exmª Princesa de Calhariz"
.

O processo dos Távoras

É bem conhecido o processo dos Távoras: um atentado à vida do rei D. José, em 1758, serviu de pretexto para perseguição aos adversários de Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal, no âmbito da política de centralização do poder e consolidação do Absolutismo Num processo que envergonha o Estado português da época – foi constituído um tribunal especial, formado por membros do Governo, que obedecia aos caprichos do primeiro-ministro – quase todos os membros da família dos Távoras, foram barbaramente torturados e executados numa grande cerimónia pública, a 13 de Janeiro de 1759.

O processo serviu também de pretexto para perseguir outras pessoas, e uma delas foi Manuel de Sousa, apenas por, supostamente, ter tido conhecimento prévio da conspiração. Foi feito prisioneiro numa altura em que se encontrava doente; colocado numa masmorra, num dos fortes da margem do Tejo, viria a morrer, menos de dois meses depois, sem sequer ter sido julgado.

A mulher, Maria Ana Leopoldina, saiu de Lisboa e refugiou- se em Calhariz, onde passou por grandes dificuldades, havendo vários testemunhos de que lhe faltavam meios de subsistência: um caso que teve ecos além-fronteiras, dada a notoriedade da nobre família austríaca. Uma das pessoas que tentou interceder, junto do Rei, por Manuel de Sousa e pela sua esposa, foi Manuel Teles da Silva, que era casado com uma irmã de Maria Ana Leopoldina. O próprio Marquês de Pombal, hipocritamente, escreveu uma carta em que parece condoer-se da situação da infeliz princesa, como se não fosse ele o principal responsável da desgraça:

«O processo de Dom Manuel de Sousa é certo que se deve continuar na forma da lei e de direito. Lembro-me contudo sobre esse assunto que aquele bárbaro se achava casado com a Princesa de Holstein per si digna de toda a clemência de Sua Majesta Majestade sendo uma pessoa de tão notória graduação pelo seu nascimento e sendo além disso cunhada de Manuel Teles da Silva, que já escreveu a favor de Dom Manuel de Sousa nos competentes termos que foram presentes ao dito Senhor. Sobretudo consta que a referida Princesa se acha em Calhariz na última indigência, sem ter de comer nem quem a sirva. E nestas circunstâncias me parece muito conforme à Real e incomparável piedade de Sua Majestade que, sendo o mesmo Senhor servido, me permita avisar a tal Princesa que se pode recolher a esta Corte parecendo-lhe, e que vendo-se a sua escritura dotal se lhe mandem separar logo e sem mais formalidades de juízo as arras [bens a herdar do marido] que pelo dito contrato se lhe devem.»

Esta carta, datada de 1 de Fevereiro de 1759, é um notável exercício de hipocrisia, atendendo a que foi escrita pelo principal responsável pela prisão de Manuel de Sousa. O registo do falecimento do criado da princesa, no final de 1760, prova que ela continuava em Calhariz e a viver em grandes dificuldades.

João Augusto Aldeia


[Texto originalmente publicado no jornal Mares de Sesimbra, edição n.º 26, 5 Janeiro 2016]