quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Peixe Agulha – e não Espadarte!

A "pesca desportiva do espadarte" foi praticada em Sesimbra desde 1954, ano em que foram capturados os primeiros exemplares: o primeiro por Manuel Frade, seguindo-se Arsénio Cordeiro e Fernando Teotónio Pereira. Pelo menos estas duas últimas capturas, tiveram o auxílio do pescador sesimbrense António Vicente ("Guiné").

Apesar do discurso oficial afirmar que se trata de uma pesca "emblemática" de Sesimbra, durou pouco tempo. O ano de maiores capturas foi o de 1958, com 19 peixes, mas a partir daí foram declinando. O ano de 1974, com 5 capturas, pode ser considerado como o último desta pesca, que durou apenas 20 anos. Desde então apenas se registaram capturas esporádicas.

Os pioneiros desta pesca, originários de Lisboa, designaram a espécie como Espadarte, mas em Sesimbra o seu nome era Peixe Agulha.

Consultando os manuscritos de Constantino Lacerda Lobo, redigidos no século 19, verificamos que a designação desta espécie – cujo nome científico é Xiphias Gladius – era, de facto, a de Peixe Agulha. Lacerda Lobo, que recolheu informações, sobretudo junto de pescadores da costa algarvia, escreveu:
  Fazem os Pescadores de Olhão a matança deste peixe em todos os meses do ano no mesmo mar aonde fazem a das Pescadas na profundidade de 100, até 125 braças de água, e distância da terra duas até duas léguas e meia. Não usam de outro aparelho mais do que do Anzol. Encontra-se por toda a Costa. Corta e estraga os Aparelhos e quando morre algum pesa ordinariamente cinco ou seis arrobas.

Manuscrito de Lacerda Lobo onde descreve a pesca do Peixe Agulha
(Biblioteca Nacional)

Nas notas de Lacerda Lobo encontram-se duas espécies com o nome Espadarte: o Espadarte ou Peixe Serra (nome científico, Squalus Pristis) e o Espadarte (nome científico, Esox Brasiliensis). Vejamos qual o "retrato" destas espécies:

Espadarte ou Peixe Serra (Squalus Pristis)

Espadarte (Esox Brasiliensis)


Portanto, os pescadores de Sesimbra estavam certos quando designavam o Xiphias Gladius como Peixe Agulha, e os lisboetas que aqui desenvolveram a sua pesca desportiva, enganaram-se provavelmente na designação, ou então não lhes agradou o nome de Peixe Agulha, optando pela mais romântica designação de Espadarte.

Com o desenvolvimento desta pesca, o sesimbrense José Pinto Braz pensou no seu aproveitamento turístico, e inaugurou, em 1957 (ou seja, três anos depois do início da pesca), a Pensão Espadarte, num edifício já em construção e destinado a habitação e comércio (no rés-do-chão). Mais tarde o estabelecimento obteria a classificação de hotel.

A promoção feita por José Pinto Braz desta pescaria, sobretudo no norte da Europa, em 1962, integrando-se nas missões de promoção turística de iniciativa do Governo, atraiu a Sesimbra grande número de turistas estrangeiros, entre os quais se destacou o francês Pierre Clostermann, que aqui acabou por adquirir uma residência e um barco, só para a prática desta pesca. Pierre Clostermann viria a realizar, em 1973, uma palestra no Clube Sesimbrense (Grémio), onde propôs a criação de um Parque Marítimo na Baía de Sesimbra, que depois viria a ser promovido pela Liga dos Amigos de Sesimbra, numa campanha coordenada por Rafael Monteiro e Orlando Vitorino.

Arsénio Cordeiro viria a escrever um livro sobre esta pesca, centrado sobretudo nos aspectos técnicos da captura, onde não deixa de homenagear os pescadores sesimbrense que, manobrando as suas aiolas, desempenhavam um papel essencial nesta pescaria.

A propósito da pesca do Peixe Agulha, tem de se referir a família Ratinhos, pescadores sesimbrenses, que apuraram a técnica de captura desta espécie com arpão, chegando a apanhar vários exemplares num só dia, sendo muito mais produtivos do que as demoradas e espaçadas capturas dos pescadores desportivos.
Dois Peixes Agulha capturados com arpão pela família Ratinhos.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

A epidemia de cólera de 1833

A epidemia de cólera de 1833 atingiu seriamente Sesimbra. Nos cinco anos anteriores, a média anual de mortes, nesta vila, rondava as 92 pessoas — e, neste número, pesava bastante a mortalidade infantil. Porém, em 1933, estão registadas as mortes de 286 pessoas: mas trata-se de um valor subavaliado. O próprio padre encarregado deste registo escreveu que, a este número, se deveriam somar mais 200 mortes, que não chegaram a ficar registadas no livro da paróquia de Santiago. Ou seja: no total, um número de mortes superior a 5 vezes ao que era normal.

"Morreram pouco mais ou menos este ano d'ambos os sexos
— 286, isto é, os que aqui se acham descritos; porém,
morreram muitos mais, andarão por 486 — e que não houve
ocasião de descrever todos, que morreram pela cólera."

O Padre Joaquim Pedro Cardoso.

A cólera já grassava no Norte da Europa desde o ano anterior e sabia-se que inevitavelmente chegaria aos países ibéricos, e essa chegada deve ter sido precipitada pelas movimentações de tropas da guerra civil portuguesa. Manifestou-se, no início de 1933, no porto de Vigo, na Galiza, mas rapidamente se espalhou pela península.

Pelos livros da paróquia de Santiago, verifica-se que o número de mortes começou a aumentar no final de Maio, e que só no mês de Junho se registaram 200 mortes: um número igualmente subavaliado pois, perante a avalanche de vítimas, deixou de se registar o falecimento de recém-nascidos. O gráfico anterior permite ver que foi sobretudo nas primeiras semanas de Junho que a epidemia vitimou os Sesimbrenses. No entanto, entre os dias 29 de Julho e 1 de Outubro não foi feito qualquer registo e, por isso, fica a dúvida sobre o que se terá passado nesse período.

Uma das vítimas foi o doutor Francisco Rodrigues Miranda, médico do partido de Azeitão, enviado por ordem do Governo para tratar dos doentes da vila de Sesimbra, e que morreria da mesma enfermidade a 13 de Junho de 1833.


Voto da Câmara de Lisboa, em 5 de Julho de 1833, para realização de uma
procissão de penitência, "à vista da calamitosa epidemia, que tão
mortífera se tem feito nesta Capital, e muitas partes do Reino".
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sexta-feira, 8 de julho de 2016

Forte do Cavalo:
primeiro parque municipal de campismo em Portugal
Campistas na Mata do Forte do Cavalo
(imagem cedida por Luís Filipe Cagica Pinto.)
.
A partir da década de 1930, a Câmara Municipal de Sesimbra iniciou um extenso programa de arborização, para "repovoamento florestal das escalvadas encostas que emolduram esta vila". A zona em redor do Forte do Cavalo (ou de S. Teodósio), foi uma das áreas escolhidas para este programa de arborização, nascendo assim a Mata do Forte do Cavalo. Quando o turismo se começou a popularizar em Sesimbra, foi ali que se instalaram muitos campistas, sobretudo depois que a construção do molhe do porto de abrigo criou a "praia da doca".

Formada em Dezembro de 1951, a Liga dos Amigos do Castelo de Sesimbra teve como uma das suas primeiras iniciativas, a de dotar a Mata do Forte do Cavalo com instalações de apoio aos veraneantes que ali acampavam. A Câmara construiu o equipamento, a partir dum projecto oferecido por João Baptista de Gouveia ("Jojó"), membro da Liga, incluindo: instalações sanitárias, duches, amplos lavatórios e um grande piso exterior abastecido por quatro torneiras, para lavagens diversas.

As instalações foram inauguradas em 31 de Agosto de 1952, com a presença do Presidente da Federação Portuguesa de Campismo, Júlio Rodrigues, e do vogal da mesma Federação, Lyon de Castro. Estiveram também presentes: Carlos Freire (director da revista Campismo), Fernando Alves (presidente do Clube de Campismo do Barreiro), João Saldanha (Grupo Estrela), Francisco Abreu (Clube Campista de Lisboa) e Giordano da Saúde (Secção Campista do Grupo Desportivo da Cova da Piedade). Nessa altura, o jornal O Sesimbrense referiu que aquele melhoramento era "o início do arranjo da mata e da sua adaptação a verdadeiro parque de campismo" [O Sesimbrense n.º 37, II série, 7-9-1952]

Poucos dias depois, a Federação Portuguesa de Campismo comunicou à Câmara Municipal de Sesimbra que os seus corpos gerentes tinham aprovado por unanimidade um voto de agradecimento à Câmara "pelas obras realizadas no primeiro parque Municipal de Campismo do País" (1).

Já em 1953, o Club de Campismo de Lisboa comunicou à Câmara de Sesimbra a deliberação da sua Assembleia Geral de "um voto de agradecimento pela brilhante obra realizada em prol do Campismo Nacional na Mata do Forte do Cavalo".




(1) - A Federação Portuguesa de Campismo fora fundada em 1945, e foi devido aos seus esforços que se criaram os primeiros parques campistas em Portugal, nomeadamente o parque da Costa de Caparica, em 17-6-1952, num pedaço de mata nacional cedido à Federação, devido a diligências de Francisco Lyon de Castro. O primeiro parque de campismo de iniciativa municipal, no entanto, foi o de Sesimbra.

segunda-feira, 2 de maio de 2016

Pesca Luminosa
Peixe rato (Malacocephalus laevis).
Gravura de Hábitos alimentares do Peixe-rato, de Pedro M. D. Gomes.

Na sessão Academia de Ciências de Lisboa do dia 2 de Novembro de 1911, o académico Baltasar Osório fez uma comunicação sobre “um processo original que os pescadores de Cezimbra empregam há muito tempo para atrair os peixes, e que envolve fenómenos científicos do mais alto interesse”. Tratava-se da pesca denominada ao candil, utilizando uma isca luminosa, por meio dum líquido extraído do peixe rato. Já Baldaque da Silva, em 1891, fizera referência a esta técnica, mas a descrição de Baltasar Osório é mais detalhada, pelo que a reproduzimos mais adiante.

Baltasar Osório (1855-1926) foi um cientista português, ictiologista e naturalista, que também foi director da Secção Zoológica da Secção Zoológica do Museu Bocage – o Museu Nacional de História Natural e da Ciência, localizado na Rua da Escola Politécnica, em Lisboa.

Baltasar Osório viria depois a publicar esta descoberta no livro “Memórias do Museu Bocage”, que transcrevemos a seguir. Neste texto é frequentemente citada a publicação Challenger Report: trata-se de uma obra em vários volumes, resultado da viagem de investigação realizada a bordo do navio britânico Challenger, nos anos de 1873 a 1876.
Exemplares do Museu Nacional de História Natural e da Ciência


Fenómenos de fosforescência manifestados
num líquido extraído dum peixe
da profundidade do Oceano
Baltasar Osório

Os pescadores de Cezimbra empregam há muitos anos, para atrair os peixes, um processo que é sem dúvida original, e que me despertou a ideia de intentar um certo número de investigações científicas, cujos resultados, por enquanto muito incompletos, por falta de material necessário para a continuação dos meus estudos, me pareceu todavia dever tornar desde já conhecidos, por serem muito interessantes.

Exporei em primeiro lugar a notícia dos factos colhidos directamente da narrativa dos pescadores.

Descobriram eles, há séculos? Como? Quem sabe? que um peixe que vive no oceano, a uma profundidade que pelas indicações que me deram, pode calcular-se entre trezentos ou quatrocentos metros (1), produzia uma substância luminosa, que depois de espalhada sobre uma camada pouco espessa de tecido muscular, aderente à pele de determinadas espécies de esqualos, Pata-roxa (Scillium canicula, Cuv.), Litão ou Leitão, (Pristiurus Artedi, Risso), Cão do monte (?) a tornam por sua vez luminosa.

Algumas horas depois de terem executado esta operação (que diga-se de passagem, interpretei como uma fase de cultura de bactérias), cortam a pele do esqualo em fragmentos, e prendem um deles a uma linha de pesca, mas de modo que fique superior aos diferentes anzóis que à mesma linha têm ligado; e preparam desta arte muitas linhas quando deliberam ir pescar aos lugares profundos do oceano.

Afirmam também os pescadores que o fenómeno de fosforescência a que tenho aludido, se activa quando a pele do esqualo preparada como disse, e a que chamam candil, está mergulhada na água do mar, e que mesmo a recobra, quando perdida, se a pele não está seca há muitos dias.

Os pescadores quando lhes falta o isco, e não têm portanto outro meio para atrair os peixes, servem-se do candil, e não duvidam dar 4$500 réis, quantia sem dúvida muito elevada para eles, por um exemplar de peixe produtor da substância luminosa, a que de resto, noutras ocasiões, não dão valor absolutamente nenhum, pois nem ao menos se vende para a alimentação.

Eis tudo quanto alcancei saber dos pescadores de Cezimbra, acerca do Peixe-rato, (tal é o nome vulgar) que é abundantíssimo na região do mar onde eles vão à pesca, mas que me não consta que tenha sido colhido em qualquer outro ponto da costa de Portugal. Afirmações bastante vagas dizem-me que se tem colhido também perto de Cascais.

Tendo perguntado aos pescadores, antes de eu mesmo poder verificar o facto, de onde surdia ou provinha a substância luminosa de que eles me falavam, deram-me diferentes opiniões. Disseram-me que provinha do fígado, outros, do fel, um pouco melhor observador, do umbigo.

Procurei, para esclarecer-me, assistir à preparação do candil, destinado à pesca do pargo, da pescada e de outros peixes.

Na minha presença, um pescador premiu com os dedos a região abdominal do peixe portador da substância luminosa, que vi surgir numa papila cupuliforme, negra, como tinta de Nanquim, e que fica abaixo de duas depressões igualmente negras que se encontram na região compreendida entre as barbatanas abdominais e a anal. À luz do dia, ou à luz artificial essa substância tinha o aspecto de um líquido denso, amarelo, turvo. Às escuras, o líquido aludido, assim como toda a região onde ele se tinha derramado, apresentava uma luz azul intensa, assemelhando-se pela cor à do óxido de carbono ardendo, à cor azul que se manifesta em muitas substâncias comburentes ao arderem lenta e incompletamente, ou no princípio de algumas combustões.

Um pescador friccionou um bocado de esqualo, (a pele a que havia ficado aderente uma porção de tecido muscular que previamente tinha tirado em parte, raspando-o), com a região de onde surgia o líquido luminoso. Feito isto dobrou-o de modo a ficarem em contacto as partes friccionadas, talvez com o fim de evitar a acção mais directa do ar, ou para distribuir melhor a substância; não averiguei.

A luminosidade, manifestou-se imediatamente e embora bastante fraca, mantinha-se ainda ao cabo de vinte horas num recinto onde decorreu a experiência e cuja temperatura deveria ser aproximadamente de 20º centigrados, ou um pouco superior (mês de Setembro).

Interessava-me em primeiro lugar determinar a espécie zoológica de que provinha a substância luminosa. Afigurou-se-me que era o Malacocefalus laevis, Lowe, e um estudo demorado a que depois procedi, confirmou-me esta opinião.

Determinada a espécie, devo porém notar que o M. laevis, Lowe, é tido como excessivamente raro por Moreau que lhe assinala como habitat apenas o Mediterrâneo.

Goode and Bean ocupando-se desta espécie (2) citam apenas o exemplar tipo colhido por Lowe na ilha da Madeira, e dizem que Lútken a colheu na costa da Dinamarca. Gunther refere que a expedição celebre do Challenger (3) colheu apenas um indivíduo na costa de Pernambuco a uma profundidade de 250 pés. No Catálogo de Peixes do Museu Britânico (4) aponta ainda um terceiro exemplar, colhido na lha da Madeira, por Johnston.

Eis todas as notícias que consegui alcançar acerca dos exemplares que são mencionados nas obras de ictiologia e destas citações pode a meu ver aferir-se que o Malacocefalus laevis é raro em toda a parte; mas em Cezimbra esta espécie é extremamente vulgar.

Os pescadores o dizem e eu pude convencer-me desta verdade. Ainda há poucos dias comprei aos pescadores seis exemplares. A existência de nome popular duma espécie é, a meu ver, muitas vezes, indicador da sua abundância ou aparecimento frequente.

Donde provem o líquido que contem a substância luminosa a que por mais duma vez tenho aludido neste escrito?

Na região compreendida entre as barbatanas abdominais e a anal existem duas depressões, com o aspecto de manchas negras retintas, como já disse.

A primeira tem uma forma triangular, a segunda uma forma discóide. Adiante desta existe uma protuberância cupuliforme, ou saliência mamilar, não uma depressão oval, como se vê na figura h da estampa XXXIX do t. XXII do Challenger Report. Esta saliência observada à lupa apresenta varias aberturas, uma na parte mais elevada, e outras em outros pontos, e por elas sai, quando premida a região abdominal, o líquido amarelado a que me referi e que se manifesta luminoso na obscuridade. Julgo porém necessário um estudo histológico — talvez o anatómico baste, mas mais acurado, para esclarecimento completo da estrutura do órgão mencionado, tratando-se evidentemente da papila em que nos peixes vem abrir-se o tubo digestivo, o canal condutor das células reprodutoras e a uretra.

Peixe rato (Malacocephalus laevis).

Será a saliência mamilar um órgão especial, uma glândula, destinada a segregar a substância luminosa, que se encontra na terminação do intestino? Embora me pareça que o estudo anatómico rigoroso é indispensável para melhor esclarecimento da opinião, todavia parece-me poder afirmar com segurança que o ânus está colocado no órgão cupuliforme a que me reporto, e não numa depressão como diz Gunther (5).

A falta de exemplares para poder continuar as pesquisas que o meu problema demanda, por terem os pescadores de Cezimbra deixado de ir, nesta época do ano, pescar à região do Oceano a que eles chamam o mar de fora, obrigou-me a adiar para mais tarde esta e outras investigações que todavia são do meu programa. Os exemplares que possuo e que tive de conservar em álcool não me permitem servir-me deles senão para o fim para que os destinei.

Uma pergunta ocorre naturalmente e para ela procurei uma resposta. Que papel, que fim, terá na vida do Malacocefalus laevis o líquido luminoso que dele provém ?

Parece-me admissível e justificável a seguinte hipótese. Vivendo numa grande profundidade onde a treva é absoluta (6) muitos animais marinhos precisam para andarem ou para descobrirem as presas de que se alimentam iluminar um espaço mais ou menos vasto.

Muitos animais que vivem nos oceanos, quer vertebrados, quer invertebrados, são dotados de aparelhos de iluminação que visam naturalmente a algum destes fins. O peixe a que me refiro poderá iluminar, espalhando o líquido luminoso, uma área maior ou menor do fundo do mar e a que os animais de que se nutre são provavelmente atraídos, aproveitando-se ele, colocado numa zona menos esclarecida, desta circunstância para os surpreender e captar.

Disseram-me os pescadores que quando alguns exemplares, mesmo depois de mortos (7), estão, por exemplo, dentro dum balde contendo água do mar, que a água se torna luminosa.

Para verificar se o líquido luminoso emanado do peixe, comunica realmente esta propriedade à água, colhi-o por diversas vezes, premindo lateralmente o abdómen dum dos meus exemplares, com uma agulha de dissecção, que fui lavando repetidamente na água, com que tinha enchido perto da praia, um pequeno tubo de vidro. Colocado o tubo num lugar escuro vi imediatamente que toda a água emitia uma claridade azulada bem visível a alguns metros de distância. Verificaram este facto diversas pessoas a quem convidei para a observar porém era menos intensa, e principalmente menos azulada da que eu tinha notado, observando o líquido não diluído que saia do peixe.

A luz durou pelo menos doze horas, ao cabo das quais fui impedido por diversas circunstâncias de continuar a minha observação; verifiquei todavia que embora atenuada por fim, existiu durante esse tempo. Sendo, portanto, indubitavelmente luminoso o líquido, desejei saber a causa desta propriedade; se era devida a uma substância orgânica semelhante àquela a que muitos animais, quer vertebrados quer invertebrados, devem a fosforescência que exibem, se a um micróbio, a uma bactéria fosforescente em suspensão nele. As minhas observações, incompletas pelos motivos já expostos, permitem-me contudo abalançar-me a formular uma hipótese; exames microscópicos que terei de repetir devem fornecer-me argumentos definitivos para sustentar a minha opinião. Tudo me leva a crer, todavia, que a luz é proveniente duma bactéria vivendo na parte terminal do aparelho digestivo do peixe, como tantas outras que se encontram no intestino doutros animais, realizando mesmo talvez um fenómeno de simbiose, e isto pelas seguintes razões:

1.ª porque das preparações microscópicas embora executadas em condições de somenos rigor, deriva a minha presunção de que são bactérias os corpos que nelas observei;

2.ª porque se é exacta uma observação dos pescadores, já mencionada, isto é, que o fragmento dum peixe sobre que se espalha a substância luminosa obtida do Malacocephalus laevis, Lowe, depois estar exposto ao ar durante alguns dias se torna novamente luminoso quando se mergulha na agua do mar, ou que a luminosidade atenuada recrudesce, quando em idênticas circunstâncias, deve pensar-se, a meu ver, que estes fenómenos podem ser explicados pela revivescência, que é um fenómeno bastante comum aos animais inferiores.

Um outro fenómeno observei, e que é talvez o mais interessante entre todas as pesquisas feitas até agora: é a acção produzida no papel fotográfico pela luz fornecida pelo líquido luminoso.

Coloquei dentro duma cavidade cilíndrica, aberta num fragmento de madeira, um tubo de vidro contendo água do mar colhida na costa, e em que dissolvi o líquido fosforescente, extraído, pelo processo que deixei exposto, directamente do órgão aludido de que ele promana. A parede da cavidade cilíndrica, assim como o fundo, estava completamente coberta de papel fotográfico.

Mantive o tubo contendo a água do mar fosforescente dentro da cavidade cilíndrica, durante vinte horas aproximadamente, porque não me encontrei em condições de verificar mais cedo se o papel tinha sido impressionado, mas julgo que o fenómeno luminoso não devia ter durado tanto tempo, porque ao cabo de doze horas já se tinha atenuado muito num outro tubo encerrando uma porção de líquido igual ao incluído na caixa.

Tendo evitado cuidadosamente que qualquer outra luz que não fosse a que partia da agua fosforescente, actuasse sobre o papel fotográfico, revelei o que tinha colocado dentro da caixa de madeira de paredes espessas que tinha mandado preparar, estando esta ainda, por cautela, encerrada dentro doutra de cartão e cujas paredes serão completamente negras. Verifiquei que o papel tinha sido fortemente impressionado como se estivesse exposto à luz directa do sol, e quase completamente. Havia apenas um espaço aproximadamente circular, de milímetro e meio de diâmetro, na parte do papel que revestia o fundo da cavidade, e pequenas áreas que ficavam na altura da rolha de cortiça que vedava o tubo, em que a luz não tinha actuado.

No prosseguimento do meu estudo pretendo principalmente determinar:

1.º - os caracteres da bactéria a que aludi, acentuando desde já que bactérias luminosas de que tenho notícia nenhuma produz luz, azul com tão grande intensidade pelo menos;
2.º - verificar se a luz que dela parte tem propriedades radioactivas, isto é, se torna fluorescente o alvo coberto de platinocianureto de potássio; se o tubo onde estão encerradas, coberto de papel negro ou coberto de laminas delgadas de metal, de alumínio, por exemplo, impressiona ainda nestas condições o papel fotográfico, etc.
3.º - Desejo determinar qual é o tempo mínimo necessário para o sal de prata ser decomposto.
4.º - Desejo sujeitar à análise espectral a luz emitida. Poderá ela revelar a existência dum novo elemento químico? Se a terra e se a atmosfera têm fornecido a maior parte dos metais e metalóides conhecidos, é licito supor que o mar, pela sua vastidão, ou a superfície da crosta sólida do globo que ele cobre, por mais extensa, contem alguns elementos de que não temos noticia até agora; se se tivessem analisado os gazes que encerra a bexiga-natatória dos peixes, mesmo daqueles que vivem a mais de mil metros de profundidade, ter-se-ia descoberto o Árgon que primeiro se encontrou na, atmosfera.

Não será lícito supor que nos animais marítimos, como nas plantas marítimas, em que se encontram o bromo, o iodo e o cloro, etc., se encontrem outros corpos simples ainda desconhecidos?

Completaremos esta nota com o resultado dos estudos que vamos continuar.

O maior dos exemplares de Malucoceplialus laevis que obtive, até agora, mede mais de 20 polegadas e meia; é maior portanto que o exemplar tipo da espécie descrita por Lowe e existente no Museu britânico pois este mede só 19 polegadas. A descrição de Gunther é tão exacta que julgo desnecessária a junção de qualquer outro carácter para a completar.

Moreau diz que a cauda do peixe é filiforme. Infelizmente todos os exemplares que possuo têm a cauda quebrada; não posso portanto infirmar ou confirmar a existência deste carácter que o Dr. Gunter de resto não menciona.

Notas
(1) — Disse-me um pescador que para colher os peixes luminosos é preciso lançar no mar vinte linhas. Cada linha tem dez braças de comprimento. Cada braça pode calcular-se entre um fio a 1m,60 portanto 20 x 10 x 1,6 = 320 metros. Outro pescador porém, disse-me que não são precisas tantas linhas.
(2) — Oceanic Ichthyology - pág. 416.
(3) — Challenger Report - t. XX pág. 148.
(4) — Loc. cit. t. IV pag. 397.
(5) — The vent (fig. b) is close to the root of the ventrals, wich reach, beyond it; it lies at the end of an oval scaless depression,... Challenger Report - t. XXII pg. 148
(6) — Wyville Thomson diz no seu tão interessante livro “The Depths of the sea” (pág. 45) que a flora marítima é pobremente representada a uma profundidade de 50 pés e que não existe (entirely absent) à profundidade de 200 pés. O peixe de que me ocupo nesta memória vive numa profundidade ainda maior, onde portanto a luz não chega.
(7) — Dizem também que este peixe morre com extrema facilidade.

sexta-feira, 29 de abril de 2016

A Avenida Parque (I)
Em Novembro de 1899, o periódico republicano local, Jornal de Cezimbra, publicou um programa de renovação urbana da vila, onde refere:
"Palpa-se à primeira vista a necessidade de traçar-lhe desde já a planta para duas ruas, largas e paralelas, que mais tarde, seguidas até acima, nos poderia permitir a abertura dum boulevard, embora pequeno, tendo nos extremos dois largos, — o do Caninho [L. Luis de Camões] (…) e o do Pelourinho [L. do Município], tendo este uma rua bem bitolada até cá abaixo ao aterro [L. Bombaldes] e o qual se transformaria numa praça ou mercado de peixe a retalho.» [19-Nov.-1899]

Trata-se da referência mais antiga relacionada com a renovação urbana de Sesimbra, envolvendo a ideia de um boulevard, via ajardinada utilizada para passeio — um conceito que já então aparecia associado ao potencial turístico da vila, para a qual se propunha igualmente um "bom e asseado hotel": o Central, que deveria ficar no Largo dos Valentes [actual Largo da Marinha].

No entanto, quando tomam o poder, em 1910, declaram “não terem os republicanos de Sesimbra programa definido sobre os melhoramentos a fazer”, e nada prometem em termos urbanísticos, a não ser “um pequeno porto de abrigo, um mercado de peixe, um terreno próprio para fábricas, com uma boa canalização de esgotos”.

Nas actas do Senado, em 1914, encontram-se algumas propostas de incidência urbanística, aprovadas por unanimidade, mas que acabam por não concretizar, com excepção do marco fontenário que foi colocado, no final desse ano, no largo da Fonte Nova:

– que se mande estudar e elaborar o preciso projecto para cobertura do ribeiro da Fonte Nova, local para onde, com mais facilidade e economia a vila se pode alargar [Armando Gomes Loureiro em 5-1-1914]

– que em volta da árvore “Bela Sombra” [no jardim da Misericórdia] se faça um banco circular, conforme planta do sr. Abecassis (…) Considerando que o largo denominado Fonte Nova pode ser utilmente aproveitado, transformando-se numa pequena avenida ajardinada, proponho que se coloque um marco fontenário [Virgílio de Mesquita Lopes em 7-1-1914]

– que se levante uma planta da Herdade [Vila Amália], tendo uma “longa e ampla avenida, que começará no Jardim 5 Outubro e acabará na estrada de Santana, não se deixando construir nessa zona” [Armando Gomes Loureiro em 8-1-1914]

Em termos urbanísticos, é um particular quem toma a iniciativa: José Joaquim da Luz Rumina, tendo herdado a grande propriedade da Vila Amália – antiga Herdade foreira à Misericórdia, que ocupa toda a colina a nascente do Ribeiro e a norte da Misericórdia, avança com os seguintes projectos:

— Em 1917, propõe-se construir uma nova sede para o Grémio, colectividade entretanto encerrada na sequência do golpe de Monsanto (Janeiro de 1917). O edifício devia situar-se a poente da Misericórdia (onde está hoje o Lar de Idosos), mas o Grémio entretanto reabre e Rumina opta por construir um salão de espectáculos a norte da Misericórdia, que se viria a transformar na Escola de Santa Joana.

— Em 1919, construção de um novo bairro, também a poente da Misericórdia, que acabará por resultar na abertura das ruas Amália, Caldeira e Monteiro (actualmente, ruas 2 de Abril, Amália Caldeira Monteiro e João da Luz). O projecto é da autoria do engenheiro José Abecassis, que já tinha orientado o projecto de abastecimento de água a Sesimbra. As referidas ruas manter-se-ão privadas até 1923, altura em que serão doadas à Câmara, com uma única condição: a rua Monteiro passar a ser designada como rua Júlia..

— É possível que tenha sido o mesmo José Rumina — embora não existam disso provas — quem mandou elaborar um projecto de uma avenida sobre o ribeiro da Misericórdia, que tem a data de Fevereiro de 1921, já que se tratavam de terrenos de sua propriedade, e nas actas da Câmara não se encontra qualquer referência.

Projecto de 1921, para construção de uma Avenida sobre o leito do ribeiro da Misericórdia.

Perfil da nova avenida: passeios com 1,8 m, duas faixas de rodagem com 4,8 m cada, separador central arborizado com 3,8 m. Largura total da avenida: 17 m. A actual avenida da Liberdade tem apenas 15 m de largura.


Nem nos derradeiros anos da primeira República, nem nos iniciais da ditadura militar, se encontra qualquer iniciativa urbanística digna de relevo. É apenas com a chegada do Capitão Joaquim Preto Chagas à Câmara, em Setembro de 1929, que começa a esboçar-se uma lógica urbanística para o concelho. Numa entrevista a’O Sesimbrense, em 20-10-1929, o novo presidente da Comissão Administrativa afirma que “o que de momento me prende a atenção, ao qual vou dar início, é ao saneamento. A seguir a iluminação. Interessa-me ainda a instalação da Escola de Pesca”
Projecto de prolongamento da avenida marginal a nascente da Fortaleza.


Ainda em Março de 1930, a Câmara comunica à Divisão Hidráulica do Tejo que pretende construir o prolongamento do muro de defesa da praia, construir um outro muro de defesa a jusante do Forte e respectivas rampas de acesso e ampliação do varadouro da Fonte Nova, tudo na vila de Sesimbra, e pede a precisa licença para a execução das obras projectadas, que serão executadas à sua custa.

Em Março de 1931 o Ministro do Comércio decide abrir concurso para a construção da estrada ao molhe de abrigo.

Também em 1931, a Câmara decide a aquisição do edifício da antiga Fábrica de Conservas Lusitana, destinado, em parte, a ser demolido para "alargamento da travessa da República e o restante para mercado e arrecadação municipal". Mas só em 1934 é que o mercado que funcionava ao ar livre no Lago Eusébio Leão, passa a funcionar neste edifício — onde ainda hoje se encontra — o qual, para além da parcela adquirida pela Câmara, ainda englobava o edifício construído em terrenos da família Giro, que a Câmara arrendará.

Em 1933 constrói-se a “passerelle” da «Prainha» para a praia «Água Doce». No ano de 1934 ano dá-se um novo impulso às obras na vila, com a construção e pavimentação da Esplanada do Atlântico e Largo Miguel Bombarda – a obras terão início em Setembro deste ano.

Entretanto, Joaquim Preto Chagas, grande promotor deste projecto, abandonará a Câmara no mês seguinte, regressando em Setembro de 1937, para um segundo mandato que durará até ao final de 1941. Trabalhosamente realizado, o primeiro troço da Esplanada, entre o Largo de Bombaldes e a Fábrica Nacional, acabará por ser demolido pelo “ciclone” de 15 de Fevereiro de 1941.

Em Novembro de 1934 dá-se finalmente por concluído o pavimento da Estrada de acesso ao Porto de Abrigo: segundo revela O Sesimbrense, muita gente, “transportada em veículos, tem ido até aquele aprazível local admirar o belo panorama.” As obras enfrentaram as dificuldades adicionais colocadas, quer pela necessidade de demolir e reconstruir as fachadas de alguns edifícios (como o Salva Vidas e o estaleiro da armação Varanda), posteriormente realizadas, quer pela exigência de todas as armações à beira-mar, de terem uma rampa própria para varação das suas barcas: a praia mais parece um pente, atravessada perpendicularmente pelas numerosas rampas.

Entretanto, a largura de 4,5 metros, na zona da vila, revela-se insuficiente para as necessidades do trânsito, pelo que se delibera encarregar o empreiteiro — a empresa Moniz da Maia Ld.ª — de executar o alargamento de dois metros e meio, na zona compreendida entre o estaleiro da Sociedade Loureiro & Filhos (actual localização do Hotel do Mar) até ao Largo da Marinha.

Planos Gerais de Urbanização

Em Dezembro de 1934, o ministro Duarte Pacheco publica o Decreto que institui a figura dos Planos Gerais de Urbanização: as Câmara Municipais ficam obrigadas a submeter à apreciação do Governo, pelo MOP, no prazo de três anos, a contar da data de conclusão das respectivas plantas topográficas, os planos gerais de urbanização elaborados nos termos do Decreto-Lei 24.802, de 21 de Dezembro de 1934.

Em 1936 o número de forasteiros que procura Sesimbra durante as férias aumenta substancialmente: “está adquirindo foros de acontecimento sensacional a procura de casas pela parte dos banhistas”, refere O Sesimbrense. Em Abril deste ano dá-se a abertura da Pensão Chic, no Largo da Fortaleza, uma iniciativa de José Miguel Dias.

Embora tenha mandado elaborar a planta topográfica da vila, conforme determinava o decreto de 1934, a Câmara não dá seguimento à elaboração do plano de urbanização. Quando, em Maio de 1938, a Câmara pede ao Estado comparticipação para o prolongamento da Esplanada do Atlântico, é surpreendida pela pergunta sobre se Câmara ainda “não possui planta que há-de servir de base ao futuro plano de urbanização”.

Isto parece ter levantado o alarme no Município que, em Julho, dirige ao Ministro das Obras Públicas uma longa carta onde diz que “tendo ponderado as mais urgentes necessidades locais e feito um sumário estudo da topografia da Vila” (...) e submete “algumas directivas a que o mesmo deve obedecer, e que são:

A - Uma via de comunicação atravessando centralmente a vila com direcção Norte-Sul.
B - Uma via de comunicação marginando a praia em toda a extensão.
C - Uma via de comunicação dando acesso à encosta do Castelo.
D -Transformação e regularização de alguns largos e ruas.

Em Agosto, o próprio ministro Duarte Pacheco responde à Câmara:

“Merece louvor a iniciativa da Câmara de Sesimbra de promover a elaboração do plano de urbanização da Vila de Sesimbra. E podem ser utilmente aproveitadas as indicações fornecidas pelos técnicos que a Câmara encarregou da elaboração do referido plano. Dada a circunstância de se poder vir a reconhecer, por um estudo mais profundo do assunto, a conveniência de alterar num ou noutro aspecto dessas indicações, conviria adiar a realização das obras previstas para depois de estar aprovado o plano geral. Nestas condições o Governo prestaria o seu concurso financeiro à Câmara de Sesimbra, nos estudos e, em certa medida, nas obras.”
Despacho de Agosto de 1938, do ministro Duarte Pacheco, incentivando a Câmara a promover um Plano de Urbanização, para elaboração do qual ele próprio virá a indicar o arquitecto Paulo Cunha.

Plano de Urbanização de Paulo Cunha

É o próprio Ministro quem quem indicará à Câmara o nome do arquitecto Paulo de Carvalho Cunha para realizar o Plano de Urbanização da Vila de Sesimbra: este apresenta uma proposta no dia 4 de Novembro, que a Câmara de Sesimbra delibera aceitar ainda nesse mês.

No final deste ano de 1938 trabalha-se intensamente na realização de trabalhos topográficos e em Outubro a Câmara comunica ao Governador Civil que já tem pronto “o projecto da Avenida Parque (Avenida Boa Esperança)”. Quando, em Fevereiro de 1940, o regime inquire as Câmaras sobre quais as obras realizadas “durante a Gloriosa Revolução Nacional”, a de Sesimbra inclui a Avenida Parque, mas “a realizar” em 1941. Em entrevista a’O Sesimbrense, Joaquim Preto Chagas especifica qual o objectivo desta avenida:

"Teremos uma via de comunicação, com cerca de 1.500 metros, atravessando a vila na direção Norte-Sul, projectada no vale do ribeiro da Misericórdia, e que, partindo do actual campo de jogos do União Foot-ball Cezimbra, irá desembocar na Esplanada Atlântico.

Para o efeito, a Câmara vai adquirir a vasta Quinta de Vila Amália, onde, no terreno sobrante ao leito da futura avenida, começaremos a imediata plantação de um núcleo florestal, com características de parque, que tão útil é para recreio da população.

No prolongamento do mesmo terreno, será construído um amplo edifício escolar, reservando-se outra parte para ser vendida em talhões, para construção de edifícios particulares, que ficarão ligando a mesma avenida."

A nova via estava baptizada: seria “Avenida da Boa Esperança”, nome da barca do arrais Alberto Pitorra, herói do salvamento de numerosas vidas durante o vendaval de 9-4-1934, designação que logo em Maio desse ano foi atribuída à travessa da República, a qual virá a ser integrada na avenida. Mas a nova artéria também aparece também designada em alguns documentos da Câmara como “Avenida Parque”, indicando o desejo da sua intensa arborização, que é visível nos desenhos do novo Plano.

O Plano de Urbanização de Paulo Cunha aparece referido, em algumas publicações, como tendo sido elaborado em 1945, mas é seguramente mais antigo, pois uma planta de conjunto do Plano já aparece publicada na Monografia de Sesimbra, de 1941.

Sabemos, por uma planta em que são identificadas as áreas a demolir, que este Plano previa a demolição de uma parte importante da zona antiga de Sesimbra, nomeadamente todo o quarteirão entre as ruas 31 de Janeiro e da Fortaleza.
Plano de urbanização de Paulo Cunha (1940), prevendo a demolição de importantes zonas do núcleo urbano antigo (assinaladas a amarelo).

Um dos elementos centrais do plano é, portanto, a Avenida Parque — conceito que já tinha sido definido pela Câmara, ainda antes das adjudicação do Plano, mas que Paulo Cunha irá consagrar nas suas propostas — desenvolvida segundo os pressupostos do movimento City Beautiful, com os seus eixos viários simétricos relativamente a esta avenida, com uma rotunda e uma crescente arborização de sul para norte, desenvolvimento coroado pelo Campo de Jogos. Hoje, a única coisa que ficou deste conceito de boulevard, é a Mata da Vila Amália.
Mata da Vila Amália: restos da "Avenida Parque" sonhada por alguns sesimbrenses. Mais imagens aqui e aqui.

A expansão da vila é proposta para a zona a poente, entre a Fonte Nova e Palames, com localização de uma grande piscina na Prainha, entre os morros do Macorrilho e Alcatraz.

O volume de demolições previstas neste plano, só por si, seria suficiente para o classificar como irrealizável, dados os seus custos, incomportáveis para a Câmara Municipal. Em 1945 surgem publicamente indicações de que o Plano será abandonado, e um novo arquitecto – Carlos Negrão – será encarregue de elaborar novo Plano, em Novembro desse mesmo ano

Plano de Urbanização de Carlos Negrão

O Plano de Carlos Negrão retoma alguns dos pressupostos do Plano anterior, mas com uma diferença substancial: as demolições são reduzidas ao mínimo. Mantém-se o conceito da Avenida Parque, mas o desenho simétrico surge agora amputado no lado nascente. O "L" formado pela nova avenida e pela Esplanada do Atlântico surge vocacionado para uso turístico, com instalação de diversos equipamentos, tais como uma grande central de camionagem, ocupando a zona marginal no Largo de Bombaldes, e o Clube Naval, um pouco mais a nascente.
Plano de urbanização de Carlos Negrão (1950).

Para a zona poente da vila, Carlos Negrão propõe um desenvolvimento semelhante ao de Paulo Cunha, com ocupação de baixa densidade, igualmente de natureza turística, com dois miradouros.

( continua )


Nota: as imagens apresentadas são do Arquivo Municipal de Sesimbra, com excepção das fotografias da Mata da Vila Amália.

Texto modificado em 11 de Maio de 2016

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

1$00 por um peixe espada!

Ramada Crespo

 
Já pensaste, banhista amigo, no trabalho que dá a pescar o peixe espada ou a «viúva» que tu mercas por um mísero escudo, para almoçares ou jantares?

Tu sabes lá os perigos que os pobres pescadores passam para apanharem nos seus aparelhos. esses peixes que fazem a tua delícia e a de tua família ?

Não sabes, não. E como não sabes nem avalias nós vamos narrar, sucintamente, a árdua tarefa da pesca do alto, a sua engrenagem curiosa, para que faças uma ideia aproximada de quanto custa a esses mourejadores ganhar um pouco de pão. Ouve, pois:

À hora em que te recolhes a casa, a fim de te entregares aos acolhedores braços de Morfeu, já pelas ruas os «moços» dos barcos do alto fazem ouvir o seu grito característico, chamando para a lida os «camaradas»

– Ó ti’Tóóóónio – brada o pequeno moço, enchendo os pulmões de ar, para que o seu grito se ouça bem.

– Já ouvi; repaz – responde o «camarada», saindo do seu sono de uma ou duas horas.

E, decorridos poucos minutos, o «camarada» aí vai caminho da «loja de companha», saco com pequena refeição preparada, a qual muitas vezes se resume a um pouco de pão seco e de um decilitro de vinho. Tudo a postos, motores a roncarem, a barca, com seus 12 a 14 tripulantes, dirige-se à armação no intuito de «meter isca».

Se a armação apanhar peixe miúdo – sardinha ou carapau – o arrais da barca compra-lhe certa porção e faz-se ao mar alto em cata de pescado graúdo.

O mar fica longe, a umas 4 horas de caminho da costa, e esse tempo é empregado a «iscar» o aparelho, operação que consiste em colocar uma sardinha ou um carapau em cada anzol.

À medida que se vai aproximando do local da pesca, o mar vai também mudando de aspecto. Ondas alterosas, vagalhões, ameaçadores, erguem-se na frente da frágil embarcação, cujo arrais manobra o leme com perícia, evitando o embate das vagas.

Quem vê a quietude das águas na baía, não pode avaliar o que tem de perigoso e de falso esse mar a algumas milhas da costa. Arrepia, causa calafrios na espinha. Mas eles, esses pescadores afeitos ao perigo, vão vencendo os obstáculos e chegam finalmente ao seu ponto de mira.

Lançada a sonda com umas tantas braças de corda – calamento soe chamar-se na pesca – e verificado estar em cima do mar, os aparelhos são atirados à água, operação que requer conhecimentos, perícia e paciência.

Cada anzol tem a defendê-lo dos dentes do peixe uns centímetros de arame e só depois leva o cordel chamado «estrovo».

Para os aguentar a uma certa profundidade são presos e em séries a umas pedras, a que se dão o nome de «peões», ficando a flutuar as «boias», pequenas cabaças hermeticamente vedadas, que se distanciam uns metros.

Aparelhos na água, os «camaradas» descansam um pouco, uns dormindo um nadinho, outros, comendo o almoço.

À voz do arrais os aparelhos são içados, tirando-se-lhes o peixe – quando o traz – e prendendo-se os anzóis a pequenos pedaços de cana, de feitio especial, formando as «talas».

Tudo pronto, regressa a barca à costa – mais quatro horas a caminho.

E tu, banhista amigo, que estás na praia aproveitando as carícias dos últimos raios de sol, a vês chegar.

O resto da tarde e as primeiras horas da noite são empregados no amanho dos aparelhos, para daí a pouco voltar ao mar.

Mas isto é de verão.

E de inverno, quando o vento sul ruge furiosamente e a rebentação é de assombrar? Oh! de inverno! Mil vezes esses heróis vêm em frente dos olhos a morte e mil vezes a vencem.

Ocasiões há em que saem sob temporal medonho, confiados na segurança dos motores ou no vigor dos seus braços, só porque em casa nesse dia não há pão e porque já não o houvera na véspera. Os filhos choram com fome e é preciso arranjar-lhes de comer.

E quando eles partem, ficam em terra as esposas, as mães, com o coração amarfanhado, em constante sobressalto, sempre à espera que lhes venham dizer que eles ficaram para todo o sempre sepultados no fundo desse mar tão amigo e tão traiçoeiro.

Mas se eles vencem a fúria dos elementos e chegam à vista de terra, os olhos dos que os vêm chegar assistem aos esforços formidáveis desses homens procurando tocar na praia. O mar varre a embarcação de proa à popa e por mais de uma vez ela desaparece nas vagas, para surgir uns metros além. Montanhas de águas impedem o regresso à praia e, então, vale-lhes essa pequena enseada a que por ironia se chama pomposamente Porto de Abrigo.

A esse pequeno molhe deve a classe piscatória o poder exercer a sua trabalhosa faina em dias terríveis, salvando muitas centenas de vidas.

Curiosa a maneira como são feitas as contas de companha.

Do lanço é tirada a despesa de gasolina, óleo, iscadura, direitos, vendagem, aluguer da loja, embarcação e mil e uma coisas várias, repartindo-se depois o remanescente pelos camaradas, em processo socialista. E tiram também determinada quantia, chamada parte de aparelho, que junto às que anterior e posteriormente se tiram e que se destinam à compra de aparelhos novos para substituírem os que acusam excesso de uso, ou para suprirem as faltas dos que a aguagem (correntes) faz perecer.

O «camarada» ganha em média, por cada mil escudos de pescado, vinte escudos de parte, além da pequena quantia denominada parte de vinho que ele reserva para vinho ou tabaco.

Já vês, banhista amigo, que é preciso a barca apanhar um conto de réis de pescado, para o pobre trabalhador do mar, que emprega uma noite e um dia de actividade constante, ganhar vinte escudos.

Mas isso poucas vezes sucede.

E, quando a barca vai ao mar, os homens trabalham como sempre e a pescaria é irrisória ou nenhuma, como se verifica semanas seguidas?

A despesa é quase igual à dos dias da fartura e o ganho passa a ser – como dizem esses desventurados – vinte mil réis empenhados.

Já se tem visto e é até corrente algumas barcas apanharem durante a semana quatro a cinco mil escudos de pescado e, ao fazer contas, caber a cada camarada trinta a quarenta escudos somente. É preciso pagar os empenhos anteriores, porque o pescador sesimbrense é honesto e tem por norma pagar a quem deve, já por temperamento, já porque, o não fazendo, não tem quem lhe fie o material para a próxima etapa piscatória.

E agora, banhista amigo, que já sabes quanto custa apanhar um peixe espada ou uma «viúva», e que estás ao facto dos perigos por que passam os pescadores, não regateies o seu valor quando na praia pretenderes comprar o peixe que fará a tua delícia e a de tua família.

E se desfrutais de influência nos meios oficiais, fazei quanto possas para que um autêntico Porto de Abrigo substitua em breve o desmantelado paredão que ostenta esse pomposo nome. Os pescadores sesimbrenses e toda a Piscosa de Camões te saberão agradecer.

Texto escrito por João Pereira Ramada Crespo
Publicado originalmente n’O Sesimbrense n.º 527, de 30 de Agosto de 1936

Viúva — chaputa (por causa da sua cor escura)
Companha — conjunto de camaradas que formam uma equipa de pesca associada a uma embarcação
Moço — categoria inicial da progressão na carreira de pescador, atribuída a menores; também designados como moços chamadores

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

As duas Sesimbras

 

Ainda hoje encontramos, em publicações oficiais, a história da vila de Sesimbra contada do seguinte modo: a povoação existiu primeiro no alto de um monte, rodeada de muralhas, e a certa altura, por volta do século 16, a população desceu a encosta e passou a viver junto ao mar.

No entanto, são muitos os indícios de que esta história está "mal contada". O que ocorreu é que, durante os primeiros séculos da nacionalidade, coexistiram duas vilas: a Sesimbra oficial, onde se localizavam as instituições (alcaidaria, paróquia...), no alto da encosta, cuja principal razão de ser era a defesa do Reino, e a Sesimbra dos pescadores, junto à praia, cuja força motriz era a actividade económica da pesca.

O castelo de Sesimbra não foi construído para defesa duma população que residisse naquele morro, mas sim numa lógica de defesa do território conquistado pelos cristãos. A sua baía constitui um fácil ponto de acesso, por exemplo, para forças atacantes que visassem a península da Arrábida, ou Lisboa. O castelo era também um excelente ponto de observação sobre o mar. Num documento de 1366, el-rei D. Pedro I refere-se ao castelo de Sesimbra como sendo:

  "uma das boas fortalezas que no meu reino havia pelo qual lugar se guarda a minha terra dos inimigos que andam pelo mar desde o cabo de São Vicente até Galiza, pelas marinas, por velas e atalaias e sinais certos que entre si fazem e hão-de fazer". [1]

De facto, a história da Sesimbra acastelada está repleta de incentivos reais para o seu povoamento, desde o seu início, até que finalmente as autoridades se renderam às evidências: a população não encontrava motivos para ali residir. A força de Sesimbra estava na pesca e na navegação, e não fazia sentido residir no Castelo para quem se ocupava destas actividades.

Logo após a reconquista de Sesimbra, por volta de 1200, D. Sancho I entrega as terras reconquistadas a colonos Francos [ou seja, oriundos do norte da Europa]. Numa carta que escreveu de Coimbra, em 26 de Março de 1199, ao Alcaide mor, alvazis e homens bons de Santarém, Lisboa, Alenquer e outros, informa-os de que tinham chegado Francos em utilidade do mesmo Rei, de seus filhos e reino, a povoar a terra; a uma parte dos quais ele Rei limitava Cezimbra, a outros Alezizas com seus termos.

O primeiro Foral de Sesimbra, outorgado pelo mesmo rei, é dirigido "aos povoadores de Sesimbra, presentes e futuros", ou seja, era evidente a necessidade de povoar a terra. No entanto, passados poucos anos, em 1236, esta decisão de entrega de Sesimbra aos Francos é revertida, fazendo-se agora entrega à Ordem de Santiago – nesse tempo, ainda uma organização espanhola (leonesa). Teria falhado o povoamento pelos Francos?

Em 1252, uma Bula do papa Inocêncio IV, refere que igreja de Santa Maria (do Castelo) auferia rendimentos provenientes do mar . E desde 1255, a Ordem de Santiago dispunha, também por doação régia, dos direitos de pescaria em Sesimbra, juntamente com os de Almada, Alcácer do Sal e Setúbal: indícios seguros da existência de actividade piscatória em Sesimbra, com importância suficiente para ser referida em documentos oficiais. Este facto é reforçado com a existência, já em 1282, de alcaide do mar em Sesimbra, com jurisdição sobre homens do mar e residentes na póvoa e com alguma tradição no exercício do cargo. E estes pescadores certamente não residiam no Castelo, onde quaisquer conflitos poderiam ser derimidos pelo respectivo alcaide.

No documento de 1255, o rei ressalva os seus direitos sobre os pescadores supervenientes, ou seja, os que não moram permanentemente nos domínios da Ordem. Faz prometer aos cavaleiros de Santiago que lhes deixarão vender e comprar o peixe que quiserem, usar a água , a madeira e lugares para guardarem o peixe e para tecerem e repararem as redes, ou mesmo para fazerem cabanas onde possam morar temporariamente, se for preciso. Além disso, se fizerem algum mal, seriam julgados pelo foro da terra e não como forasteiros. [2]

Todos este documentos atestam uma importante actividade piscatória, não só por pescadores locais, mas também vindos de fora (presumivelmente, de Lisboa), e é o potencial de conflito decorrente desta intensa actividade que justifica a posterior criação do cargo do alcaide do mar.

Obviamente que a existência do alcaide e guarnição militar, das instâncias judiciais, da paróquia, e de equipamentos, tais como forno ou lagar da Ordem – cuja preocupação principal seria a da cobrança dos rendimentos que lhe eram devidos – proporcionou a existência de alguma vida urbana dentro das muralhas do Castelo, e esta Sesimbra altaneira sustentou-se durante algum tempo.
Sesimbra em 1560-1570: já uma vila bem desenvolvida.


Mas, no século 15, voltaram os reis a tomar novas medidas para tentar atrair gente que residisse no Castelo. Em 1425, a vila encontrava-se despovoada e pobre. As propriedades da albergaria do Espírito Santo não rendiam sequer o suficiente para garantir a assistência a pobres e peregrinos. No final de 1492, a concessão de privilégios aos moradores da cerca já não travou o declínio do povoado, e quatro anos decorridos, passou a couto de homiziados, ou seja, território onde se podiam abrigar os culpados de certos crimes: mais uma tentativa de atrair população, mas que também não surtiu efeito. [3].

Entretanto, a Sesimbra junto ao mar, prosperava. A capela do Espírito Santo dos Mareantes é do século 15, e a capela de S. Sebastião é possivelmente anterior. A planta mais antiga de Sesimbra, datada de 1560-1570, mostra uma vila já muito desenvolvida: e estávamos no século 16, seria impossível ter sido construída em poucos anos. Portanto não faz sentido continuar a afirmar que "no início do século XVI os habitantes se deslocaram para o vale junto do mar, dando origem a um novo núcleo populacional no local da actual vila". Não era um "novo núcleo populacional", mas sim uma antiga vila de pescadores. Já em 1471 D. Afonso V autorizara os arrais, mareantes e vizinhos da Ribeira a terem carniceiro, obrigado a fornecer-lhes carne em abastança todo o ano. [3]

Estando as instituições oficiais no Castelo – e essas é que se deslocaram para a vila ribeirinha no século 16 – é apenas à Sesimbra acastelada que se referem os documentos oficiais, durante os primeiros séculos da nacionalidade. Mas isso não retira importância ao povoamento junto ao mar, e ainda que fosse constituído por meras cabanas, a verdade é que as casas da maioria dos pescadores, em Portugal, sempre foram pobres, mesmo até ao século 20.

João Augusto Aldeia

[1] Tombo da vila de Sesimbra
[2] Gomes, Sandra Gomes, Sandra Rute Fonseca (2011) Territórios Medievais do Pescado do Reino de Portugal
[3] Oliveira, José Augusto da Cunha Freitas de (2004) Sesimbra nos finais da Idade Média: contrastes do território e exploração dos recursos, ed. Câmara Municipal de Guimarães (separata de Actas do III Congresso Histórico de Guimarães, D. Manuel e a sua época, 27 a 28 de Outubro de 2001, vol. III)

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

O Carnaval em Sesimbra em tempos distantes

 
Outrora o Carnaval em nossa terra era extremamente animado, e de tais atrativos que a ausente mocidade conterrânea, como a de terras vizinhas tudo deixava para aqui vir passar algumas horas alegre Os bailes de máscaras nas Sociedades eram de maior animação ainda que actualmente, enchendo-se por completo os dois vastos Salões a tal ponto que só depois da meia noite se podia dançar!

Afora enorme número de mascaradas estranhas às colectividades, todas as famílias de sócios, naquelas noites ali concorriam, havendo esposas que durante o resto do ano nem mesmo a boas Récitas iam, mas não faltavam àqueles bailes, deixando os filhitos ao cuidado dos avós, pois, coitadas, também tinham direito a ter umas noites de franca risota e alegria Às vezes lá sibilava, proveniente de atrevidas máscaras, qualquer piadita que fazia corar os castos maridos, porem, era Carnaval e os efeitos tornavam-se nulos.

Pelas Sociedades desfilavam centenas de mascarados envergando elegantes costumes e custosos vestidos, a par de vestes antiquíssimas legadas pelas bisavós e de dezenas de travesti os mais variados Enfim supomos que poucas vilas teriam bailes marquês tão animados e concorridos!

E o que aparecia de dia cá fora merece ser lembrado, ora se admiravam as bem ensaiadas Danças e Mascaradas com grupo musical, ora se gargalhava ao ver-se os sem graça mais ou menos roxoados...

Para estes, como amável prova ele aplauso, nunca faltava a nossa típica Pardelada, de que nós temos o exclusivo, isto é, o arremesso de cabeças de cação, talos de couve, batatas podres e alguma pedrita…

Tal delicadeza estava tanto no hábito dos sesimbrenses que alguns mais circunspectos não podiam resistir à tentação de também enviar a sua pardeladinha.

E os foliões sobretudo os vestidos com serapilheiras a imitar os ursos, descontentar-se-iam se não fossem recebidos com tais carícias, o que lhes provaria não terem suas gracinhas merecido aplauso – As Mascaradas organizadas, essas poderiam, sem deslustre, ser exibidas em qualquer parte, tal era a sua perfeita apresentação! Viram-se coisas esplêndidas! Foram formosas as Danças ensaiadas pelo Jirica, um algarvio, funileiro e quarto clarinete da Música Velha. Se, como amador musical, nada se evidenciou, como dirigente de Danças musicadas foi altamente apreciado Também vimos marchando garbosamente pelas ruas uma Companhia, com corneteiro e fanfarra, de marinheiros de 9 a 13 anos, fardados e equipados de espadins e espingardas, – de madeira é claro – não faltando até, atrás da formação, a perfilada praça com a mochila da Ambulância!

As mães dos marinheiritos, a essas é que a principio nada lhes agradou a massada da confecção dos fardamentos para os filhos – boinas, calças compridas e camisolas brancas, com cabeção azul - porém quando os viram marchar impecável mente pelas ruas da vila, ao delirante estralejar de palmas e aplausos, todas elas se comoviam esquecendo os trabalhos passados… A Fanfarra era também constituída por rapazitos, à pressa ensinados por Miguel Santana que para eles compôs um Passacalle em que os dedos pouco tinham a fazer Quase todos, depois de adquiridos maiores conhecimentos, ingressaram na Música Nova.

Apareciam também grupos menos numerosos mascarados a preceito, e outros piadando com alusões a episódios do ano, passados não só na terra como na Capital - Igualmente se destacava um grupo de rapazes naqueles tempos, quási todos carpinteiros, que em vários anos se evidenciaram em coisas interessantes Duma vez nos lembramos ter visto em movimentos passados nas ruas, uma couve, um repolho, um nabo, uma cenoura e um rabanete, belos produto agrícolas com 3 a 4 metro de altura! E perfeitíssimos, tudo na devidas proporções! Uma beleza de hortaliça! Vejam, pois, que trabalho, que tempo roubado ao descanso nocturno e que despesas para se apresentar coisas tão perfeitas! E nada pediam! Nem sequer naqueles tempos se instituíam prémios pecuniários para o que melhor se apresentasse! Por esta narrativa se poderá fazer ideia do que era o Carnaval em Sesimbra, há meio século!

Mas ainda havia um outro Entrudo muito sesimbrão, aquele que começa em 22 de Janeiro e se prolonga às vezes por mais de 30 dias Esse era aproveitado – à parte mascaradelas noturnas às casas de pessoas amigas – para partidas algo fortes, levadas a efeito por rapazes já grandes como por exemplo, a grossa brincadeira do Badalo, que é mais um exclusivo da nossa terra, pois não nos consta que noutras estivesse em uso.

Somente para elucidação de algum curioso leitor de fora, diremos que tal coisa consta duma pedrinha com 4 ou 5 quilos de peso, envolvida em cordel enredado, ao qual se amara outro cordel bem comprido, por causa de se poder salvar as costelas, em caso de perigo. Depois prende-se a dita pedrinha à argola ou outra coisa aproveitável da porta de entrada da casa da vítima escolhida Tudo em ordem, os operadores põem-se a grande distância e vá de puxar o cordel comprido, que não mais largaram, e a porta vai sofrendo amolgadelas a compasso, como badaladas, o que faz acordar os moradores próximos, e ainda primeiro o paciente que de ordinário é escolhido entre os mais exaltados, daqueles que abrem a porta, não raramente armados, vociferando palavrões insultuosos e que correm a procurar os badaleiros que, a rir, nesse momento, já estão longe.

Esta partida grossa é feita sempre muito depois da meia-noite.

É um pouco arriscada e já tem dado lugar a consequências dolorosas. Contemos, das muitas de nosso conhecimento, uma trágico-cómica: No Largo das Camionetes, talvez onde hoje se vê a Latoaria Mira, habitava numa casa baixa, o tio João Grilo velho marítimo, inofensivo e bonacheirão.

Uns foliões, já barbados, preparam- lhe um badalo, e encostaram a uma das Acácias existentes no Largo, um boneco de palha.

Despertado pelos estrondos, tio João, saltando da cama conforme estava, e praguejando, abriu a porta, logo agarrando furiosamente um almofariz de pedra que servira de bebedoiro às galinhas, e correu sobre o boneco, atirando-lhe o pesado objecto à cabeça, o que o fez redondamente cair, para não mais, por si só, se erguer! Atónito e aterrado, tio João vai direito a casa, gritando à sua velhota – já levantada também – que estava desgraçado, que tinha morto um dos patifes e que ia fugir para bem longe, desaparecendo logo na direcção da Fonte Nova.

Gritos e grande alarido na vizinhança! Alguns mais animosos aproximaram-se do morto… e qual o seu espanto quando verificaram tratar-se dum boneco! Grandes gargalhadas já de cinquenta ou mais pessoa, não tardando que quase toda a população soube se do caso.

No entanto, alguns parentes, temendo suicídio, foram em busca do assassino, resultando baldado seus esforços. A pobre velhota, essa, coitada, é que não mais descansou nessa noite, mas ao romper do dia apareceu-lhe a tia Maria Cebola que, em segredo, lhe participou que o marido estava lá no Casalito, próximo ao Forte do Cavalo, e que ela mesmo seria portadora do que quisesse.

Grande alegria da chorosa velhota que logo se pôs a caminho, com o fato do marido, pois o desgraçado tinha fugido só com a camisola e ceroulas…

Zé Sesimbrão
Publicado originalmente n'O Sesimbrense
n.º 1.124 de 8 de Fevereiro de 1948

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Carnaval em Lisboa
Carnaval de outros tempos

O carnaval em tempos na Piscosa, era o divertimento que proporcionava à mocidade Sesimbrense alegre e irrequieta da época, umas noites bastante divertidas, assim como a folia mais apetecida por muitas damas recolhidas lá do burgo, que aguardavam ansiosamente essas noites para expandir em espirituosas e animadas conversações, toda a sua malícia... a coberto da máscara com que se apresentavam anonimamente nas Sociedades de Recreio, a ocultas muitas vezes dos maridos.

De dia os marítimos divertiam-se a seu modo pelas ruas, excentricamente vestidos, fumando de cachimbo, em forma de minúsculos navios embandeirados em arco. O velho gerica exibia em público bem organizadas danças que mais tarde o Farto quis imitar, com a célebre paródia à revolta do Brasil, em que ele representava garbosamente fardado, o papel de almirante Floriano Peixoto, tendo como ordenança o popular Cabo Elísio o mais leal dos seus compatrícios.

Os rapazes da terra e as formosas pequenas do tempo, tinham pelas três noites do entrudo, uma particular devoção... Herculano Pinto Soares, era de entre a nossa rapaziada, aquele que melhor se ajustava ao papel de mulher, para iludir nessas noites os amigos que se julgavam possuir o condão de adivinhar quem era esta ou aquela máscara mais engraçada ou melhor vestida, apresentando-se corretamente mascarado em traje feminino.

Baixo, de boa compleição física, pulsos roliços e sobretudo muito espirituoso, o Herculano sabia como nenhuma rapariga, conquistar rapidamente por este processo, o coração dos homens, impacientemente desejosos em descobrir quem seria aquele lindo rosto que uma simples máscara de pano verde ou vermelho, cobria tão cuidadosamente, deixando apenas a descoberto uns olhos pretos tentadores… E enquanto nós procuravamos descortinar de entre a enorme concorrência de máscaras, a preferida do nosso coração para com ela dançar a primeira polka, compunha ele em casa muito em segredo a sua cabeleira postiça e a "toilete" carnavalesca com que dali a pouco ia "embarrilar" os próprios amigos, fazendo ralar o bofe e mais miudezas a quantos dele se acercavam com amorosos galanteios, na mira de uma conquista... Deixando-os finalmente com água na boca...

O Herculano assim mudado de "sexo", colocava-se a uma esquina qualquer, aguardando o primeiro grupo de máscaras que transitassem de uma para outra Sociedade, introduzindo-se no rancho. A sua entrada nas salas não era por isso notada com facilidade. Os brincos postiços de que usava servir-se, favoreciam-no muito na astúcia empregada para iludir os mais finórios porteiros, e daí a pouco ei-lo dançando com qualquer "sofredor" do seu verdadeiro sexo que convencia rapidamente, dizendo-se a donzela mais pura do universo!

Certa vez o nosso Herculano vestiu-se a rigor como era seu hábito. Postou-se a uma esquina, e em dado momento envolveu-se num grupo numeroso de máscaras que se dirigia ao Grémio Sesimbrense. Após o reconhecimento do estilo, entraram na sala. O pianista Lorido tocou uma valsa e o Herculano sem mais convite agarra-se a uma máscara do seu rancho e ele aí vai sala fora bambaleando-se exageradamente para não ser reconhecido. Ainda não tinha dado uma volta completa na sala de baile, quando o seu par lhe segreda ao ouvido: – Maria, tenho as meias caídas; vem comigo lá dentro ao gabinete.

O nosso amigo Herculano suspendeu rapidamente a dança e seguiu com o seu par para o camarim das mulheres, como nós lhe chamávamos no teatro. Fechada a porta por dentro, a companheira do Herculano, tomando-o por uma das suas mais íntimas amigas, repetiu novamente: – Maria, puxa-me as meias para cima e põe as ligas no seu lugar: o espartilho não me deixa baixar à vontade.

Herculano Soares obedeceu prontamente, compondo tudo paulatinamente com exagerados requintes de amabilidade, mas trémulo e comovido ao contemplar tão perfeito e delicado modelo de mulher, e em fala de máscara que ele muito bem pronunciava, atirou-lhe com esta: – Ó rapariga, tira a máscara que estás suada!

O Herculano tinha em vista conhecer a rapariga para no dia seguinte lhe ralar os ossos, contando-lhe a cena da véspera, para ele memorável!... Mas a sua formosa companheira não lhe satisfez a curiosidade por qualquer motivo e o Herculano, que tanta água tinha feito crescer na boca dos outros em sucessivos bailes, saiu naquela noite do camarim das mulheres... a engolir em seco!...

Seixal, 26-10-1930
João Pólvora
Publicado originalmente n'O Sesimbrense
n.º 233, de 2-11-1930

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

O Porto de Sesimbra

Iniciativas no século 19

A aspiração de Sesimbra por um porto de abrigo é antiga. A sua Câmara Municipal, na reunião de 18 de Setembro de 1890, aprovou uma Representação, dirigida ao Rei, em que lhe solicitava que:

se digne mandar proceder aos precisos estudos, e depois às necessárias obras, para que no extremo poente da praia desta vila, se faça um porto de abrigo para embarcações (...) O porto de abrigo é tão necessário e indispensável quanto é certo que, numa costa como a desta vila, nenhum recurso há para o salvamento de vidas e de embarcações – resultando daqui gravíssimas consequências, como é obvio.

Era nessa altura presidente da Câmara o armador Alípio Loureiro. Não é por isso de estranhar que, no ano seguinte, o engenheiro Adolfo Loureiro – que era seu primo – tenha elaborado uma planta para um porto de abrigo no local apontado pela Câmara (1).

Esta foi a primeira de inúmeras petições que os sesimbrenses fizeram, para que fosse construído um porto de abrigo na sua baía. Uma nova petição, em Abril de 1896, levou o Governo, através duma Portaria de 30 de Abril de 1896, a mandar estudar um pequeno abrigo, projecto que estava pronto em 5 de Agosto do mesmo ano.

É provável que seja este o projecto o que Adolfo Loureiro reproduziu na sua magna obra, Portos Marítimos de Portugal (de 1909).
Projecto de Adolfo Loureiro para um molhe de abrigo em Sesimbra,
publicado no ano de 1909.

Adolfo Loureiro escreve que o projecto "procurava aliar a necessidade impreterível dos barcos de pesca com a mais rigorosa economia, a fim de poder ser executado com o auxílio pecuniário, ou de trabalho, oferecido pela Câmara e pelos interessados, sem tolher de futuro a possibilidade de alargar-se-lhe a área abrigada, conforme fosse necessário, mas sem se perder coisa alguma do que agora se fizesse."

Ainda segundo Loureiro, "A área abrigada do SE mediria 2.100 m2, e 3.000 a do S., em baixa-mar, área que se elevaria a 10.000 m2 em preia-mar. Calculando-se que em média seriam precisos 35 metros quadrados por barco de pesca para estacionar, aquele pequeno abrigo poderia dar cabida a 60 barcos, refugiados do SE., e a 86 do S., ou a mais 28 em preia-mar."

Apresentado o projecto ao Conselho Superior de Obras Públicas e Minas, em Novembro de 1896, este foi de parecer que o projecto poderia ser aprovado a título de “tentativa e experiência”, parecendo-lhe, porém, que o molhe, pelas suas acanhadas dimensões, não ofereceria garantias de resistência em ocasião de fortes temporais. Assim, entendia o Conselho que deveria modificar-se o projecto, aumentando-se, tanto as dimensões dos blocos da primeira fiada, como os das fiadas superiores, elevando-se a largura do molhe de 2 a 4 metros, e dando-se-lhe maior altura.

Adolfo Loureiro, reconhecendo aquelas considerações eram "sensatas e prudentes", explica que foi por economia de meios que optou por aquela solução. A verdade é que nunca o Governo mandou executar a obra, nem sequer reformular o projecto.

O molhe dos anos 1920

A iniciativa de construção do porto só volta a ter novo impulso no período da Primeira República, e muito pela iniciativa de Joaquim Brandão, dado o seu prestígio junto do Governo. O ministro António Granjo visitou Sesimbra, em Agosto de 1921, a convite das autoridades locais, acompanhado do sr. engenheiro Claro da Rica, que não aprovou o plano do seu colega Adolfo Loureiro, mandando fazer outro. A obra teve então início, mas logo em Novembro desse ano, um vendaval destrói parte do molhe; reforçou-se a estrutura, mas em Janeiro de 1922 o mar provoca novos danos.
O primeiro molhe, construído na década de 1920.


Interromperam-se as obras para a realização de novos estudos; em 1923 consolidaram-se as obras já executadas e retomou-se a construção, mas dos 180 metros previstos, só se construíram 70 metros: em 1925, novos temporais quebraram o molhe em cinco partes, e a obra foi abandonada. A partir daí, a pouco e pouco, a malfadada muralha foi sendo destruída pelas vagas.
Inacabado e desprotegido, o molhe foi sendo destruído a pouco e pouco.



O porto das décadas de 40 e 50

Entre 1947 e 1949 foi construído um novo molhe, agora num ponto mais extremo da baía, permitindo alargar a área de protecção das embarcações. Mesmo assim, o pano da muralha revelou-se insuficiente para conter as vagas, pelo que teve de ser acrescentada uma cortina de cimento ao longo de todo o molhe.

O novo molhe, durante a construção.

Um molhe, porém, não chega para fazer um porto de abrigo. Só na década seguinte é que foram contruídas as primeiras estruturas internas do porto, nomeadamente uma ponte cais em forma de T, que mais tarde viria a ser alargada, abrigando então o edifício da lota, que até aí tinha lugar na praia, a poente da Fortaleza de Santiago.

O molhe visto desde o Forte do Cavalo.
à esquerda é visível a ponte-cais em forma de T.

Em 1950 foi aberto concurso para obras no interior no porto, incluindo uma rampa vazadouro, muros de resguardo do enraizamento do molhe, escadas no empedrado para serviço de pequenas embarcações, enchimento da caldeira junto ao molhe velho, ponte cais e respectivo acesso, trabalhos que tiveram início em Dezembro, terminando em 1951. No entanto, parte destes investimentos só seriam concretizados em 1963.
1963: construção da estrutura para instalação de diversos equipamentos.


Plataforma que resultou da ampliação da ponte-cais.


Só em 1973 é que a lota pode ser transferida da praia para o novo edifício no porto de abrigo. Apesar de representar uma melhoria das condições de higiene em que era feita a transacção do peixe, a mudança representou também a perda de um cartaz turístico inigualável, e até a perca de postos de trabalho: os numerosos pescadores que se ocupavam, com as suas chatas, do transporte do peixe, desde as barcas até à praia, ficaram sem trabalho dum dia para o outro.

Nesse ano de 1973, nas quadras dos Santos Populares, encontravam-se várias referências à mudança da lota:

  Sesimbra já não tem lota
Oh meu rico S. João
Levaram-na lá p'ra doca
Pró "Campo de Concentração".
A lota foi p'ra "barraca"
E de quem foi o capricho?
Do bicho de sete cabeças
Ou sete cabeças sem bicho.

Primitivas instalações da lota no porto de abrigo
de Sesimbra, que começaram a funcionar em 1973.


O porto dos anos 80

O novo porto representou uma grande melhoria para as condições em que operava a frota de pesca sesimbrense. No entanto, logo aquando da sua construção, se verificou a sua exiguidade. Aproveitando a melhoria de condições portuárias, mas também das novas tecnologias de navegação (rádio-telefone, sondas electrónicas, rádio-goniometros, sistemas de navegação Loran e Ómega) os barcos passaram a navegar para mais longe, para novos pesqueiros, aumentando a dimensão das embarcações e da frota.

A exigência de um novo porto de pesca intensificou-se após a Revolução de 1974 e, depois de muita discussão em torno do projecto do novo porto, em Dezembro de 1984 foi finalmente adjudicada a sua construção.
Construção do novo molhe, em 1985.


Em Dezembro de 1985 já se encontrava construído 1/3 do novo molhe.


Em Outubro de 1987 o novo molhe, com 900 m de comprimento, encontrava-se concluído, seguindo-se mais dois meses para acabamento do revestimento interior. Passar-se-ia então à construção dos equipamentos interiores: cais de acostagem rampas, edifícios. Já se ponderava também a necessidade de um quebra-mar a partir da praia, frente ao Hotel do Mar.

Início dos aterros para construção das infraestruturas portuárias.


Construção das rampas para os estaleiros navais.

Notas:

(1) Carlos Manito Torres, Gazeta dos Caminhos de Ferro, 1-5-1934
João Augusto Aldeia