sexta-feira, 29 de abril de 2016

A Avenida Parque (I)
Em Novembro de 1899, o periódico republicano local, Jornal de Cezimbra, publicou um programa de renovação urbana da vila, onde refere:
"Palpa-se à primeira vista a necessidade de traçar-lhe desde já a planta para duas ruas, largas e paralelas, que mais tarde, seguidas até acima, nos poderia permitir a abertura dum boulevard, embora pequeno, tendo nos extremos dois largos, — o do Caninho [L. Luis de Camões] (…) e o do Pelourinho [L. do Município], tendo este uma rua bem bitolada até cá abaixo ao aterro [L. Bombaldes] e o qual se transformaria numa praça ou mercado de peixe a retalho.» [19-Nov.-1899]

Trata-se da referência mais antiga relacionada com a renovação urbana de Sesimbra, envolvendo a ideia de um boulevard, via ajardinada utilizada para passeio — um conceito que já então aparecia associado ao potencial turístico da vila, para a qual se propunha igualmente um "bom e asseado hotel": o Central, que deveria ficar no Largo dos Valentes [actual Largo da Marinha].

No entanto, quando tomam o poder, em 1910, declaram “não terem os republicanos de Sesimbra programa definido sobre os melhoramentos a fazer”, e nada prometem em termos urbanísticos, a não ser “um pequeno porto de abrigo, um mercado de peixe, um terreno próprio para fábricas, com uma boa canalização de esgotos”.

Nas actas do Senado, em 1914, encontram-se algumas propostas de incidência urbanística, aprovadas por unanimidade, mas que acabam por não concretizar, com excepção do marco fontenário que foi colocado, no final desse ano, no largo da Fonte Nova:

– que se mande estudar e elaborar o preciso projecto para cobertura do ribeiro da Fonte Nova, local para onde, com mais facilidade e economia a vila se pode alargar [Armando Gomes Loureiro em 5-1-1914]

– que em volta da árvore “Bela Sombra” [no jardim da Misericórdia] se faça um banco circular, conforme planta do sr. Abecassis (…) Considerando que o largo denominado Fonte Nova pode ser utilmente aproveitado, transformando-se numa pequena avenida ajardinada, proponho que se coloque um marco fontenário [Virgílio de Mesquita Lopes em 7-1-1914]

– que se levante uma planta da Herdade [Vila Amália], tendo uma “longa e ampla avenida, que começará no Jardim 5 Outubro e acabará na estrada de Santana, não se deixando construir nessa zona” [Armando Gomes Loureiro em 8-1-1914]

Em termos urbanísticos, é um particular quem toma a iniciativa: José Joaquim da Luz Rumina, tendo herdado a grande propriedade da Vila Amália – antiga Herdade foreira à Misericórdia, que ocupa toda a colina a nascente do Ribeiro e a norte da Misericórdia, avança com os seguintes projectos:

— Em 1917, propõe-se construir uma nova sede para o Grémio, colectividade entretanto encerrada na sequência do golpe de Monsanto (Janeiro de 1917). O edifício devia situar-se a poente da Misericórdia (onde está hoje o Lar de Idosos), mas o Grémio entretanto reabre e Rumina opta por construir um salão de espectáculos a norte da Misericórdia, que se viria a transformar na Escola de Santa Joana.

— Em 1919, construção de um novo bairro, também a poente da Misericórdia, que acabará por resultar na abertura das ruas Amália, Caldeira e Monteiro (actualmente, ruas 2 de Abril, Amália Caldeira Monteiro e João da Luz). O projecto é da autoria do engenheiro José Abecassis, que já tinha orientado o projecto de abastecimento de água a Sesimbra. As referidas ruas manter-se-ão privadas até 1923, altura em que serão doadas à Câmara, com uma única condição: a rua Monteiro passar a ser designada como rua Júlia..

— É possível que tenha sido o mesmo José Rumina — embora não existam disso provas — quem mandou elaborar um projecto de uma avenida sobre o ribeiro da Misericórdia, que tem a data de Fevereiro de 1921, já que se tratavam de terrenos de sua propriedade, e nas actas da Câmara não se encontra qualquer referência.

Projecto de 1921, para construção de uma Avenida sobre o leito do ribeiro da Misericórdia.

Perfil da nova avenida: passeios com 1,8 m, duas faixas de rodagem com 4,8 m cada, separador central arborizado com 3,8 m. Largura total da avenida: 17 m. A actual avenida da Liberdade tem apenas 15 m de largura.


Nem nos derradeiros anos da primeira República, nem nos iniciais da ditadura militar, se encontra qualquer iniciativa urbanística digna de relevo. É apenas com a chegada do Capitão Joaquim Preto Chagas à Câmara, em Setembro de 1929, que começa a esboçar-se uma lógica urbanística para o concelho. Numa entrevista a’O Sesimbrense, em 20-10-1929, o novo presidente da Comissão Administrativa afirma que “o que de momento me prende a atenção, ao qual vou dar início, é ao saneamento. A seguir a iluminação. Interessa-me ainda a instalação da Escola de Pesca”
Projecto de prolongamento da avenida marginal a nascente da Fortaleza.


Ainda em Março de 1930, a Câmara comunica à Divisão Hidráulica do Tejo que pretende construir o prolongamento do muro de defesa da praia, construir um outro muro de defesa a jusante do Forte e respectivas rampas de acesso e ampliação do varadouro da Fonte Nova, tudo na vila de Sesimbra, e pede a precisa licença para a execução das obras projectadas, que serão executadas à sua custa.

Em Março de 1931 o Ministro do Comércio decide abrir concurso para a construção da estrada ao molhe de abrigo.

Também em 1931, a Câmara decide a aquisição do edifício da antiga Fábrica de Conservas Lusitana, destinado, em parte, a ser demolido para "alargamento da travessa da República e o restante para mercado e arrecadação municipal". Mas só em 1934 é que o mercado que funcionava ao ar livre no Lago Eusébio Leão, passa a funcionar neste edifício — onde ainda hoje se encontra — o qual, para além da parcela adquirida pela Câmara, ainda englobava o edifício construído em terrenos da família Giro, que a Câmara arrendará.

Em 1933 constrói-se a “passerelle” da «Prainha» para a praia «Água Doce». No ano de 1934 ano dá-se um novo impulso às obras na vila, com a construção e pavimentação da Esplanada do Atlântico e Largo Miguel Bombarda – a obras terão início em Setembro deste ano.

Entretanto, Joaquim Preto Chagas, grande promotor deste projecto, abandonará a Câmara no mês seguinte, regressando em Setembro de 1937, para um segundo mandato que durará até ao final de 1941. Trabalhosamente realizado, o primeiro troço da Esplanada, entre o Largo de Bombaldes e a Fábrica Nacional, acabará por ser demolido pelo “ciclone” de 15 de Fevereiro de 1941.

Em Novembro de 1934 dá-se finalmente por concluído o pavimento da Estrada de acesso ao Porto de Abrigo: segundo revela O Sesimbrense, muita gente, “transportada em veículos, tem ido até aquele aprazível local admirar o belo panorama.” As obras enfrentaram as dificuldades adicionais colocadas, quer pela necessidade de demolir e reconstruir as fachadas de alguns edifícios (como o Salva Vidas e o estaleiro da armação Varanda), posteriormente realizadas, quer pela exigência de todas as armações à beira-mar, de terem uma rampa própria para varação das suas barcas: a praia mais parece um pente, atravessada perpendicularmente pelas numerosas rampas.

Entretanto, a largura de 4,5 metros, na zona da vila, revela-se insuficiente para as necessidades do trânsito, pelo que se delibera encarregar o empreiteiro — a empresa Moniz da Maia Ld.ª — de executar o alargamento de dois metros e meio, na zona compreendida entre o estaleiro da Sociedade Loureiro & Filhos (actual localização do Hotel do Mar) até ao Largo da Marinha.

Planos Gerais de Urbanização

Em Dezembro de 1934, o ministro Duarte Pacheco publica o Decreto que institui a figura dos Planos Gerais de Urbanização: as Câmara Municipais ficam obrigadas a submeter à apreciação do Governo, pelo MOP, no prazo de três anos, a contar da data de conclusão das respectivas plantas topográficas, os planos gerais de urbanização elaborados nos termos do Decreto-Lei 24.802, de 21 de Dezembro de 1934.

Em 1936 o número de forasteiros que procura Sesimbra durante as férias aumenta substancialmente: “está adquirindo foros de acontecimento sensacional a procura de casas pela parte dos banhistas”, refere O Sesimbrense. Em Abril deste ano dá-se a abertura da Pensão Chic, no Largo da Fortaleza, uma iniciativa de José Miguel Dias.

Embora tenha mandado elaborar a planta topográfica da vila, conforme determinava o decreto de 1934, a Câmara não dá seguimento à elaboração do plano de urbanização. Quando, em Maio de 1938, a Câmara pede ao Estado comparticipação para o prolongamento da Esplanada do Atlântico, é surpreendida pela pergunta sobre se Câmara ainda “não possui planta que há-de servir de base ao futuro plano de urbanização”.

Isto parece ter levantado o alarme no Município que, em Julho, dirige ao Ministro das Obras Públicas uma longa carta onde diz que “tendo ponderado as mais urgentes necessidades locais e feito um sumário estudo da topografia da Vila” (...) e submete “algumas directivas a que o mesmo deve obedecer, e que são:

A - Uma via de comunicação atravessando centralmente a vila com direcção Norte-Sul.
B - Uma via de comunicação marginando a praia em toda a extensão.
C - Uma via de comunicação dando acesso à encosta do Castelo.
D -Transformação e regularização de alguns largos e ruas.

Em Agosto, o próprio ministro Duarte Pacheco responde à Câmara:

“Merece louvor a iniciativa da Câmara de Sesimbra de promover a elaboração do plano de urbanização da Vila de Sesimbra. E podem ser utilmente aproveitadas as indicações fornecidas pelos técnicos que a Câmara encarregou da elaboração do referido plano. Dada a circunstância de se poder vir a reconhecer, por um estudo mais profundo do assunto, a conveniência de alterar num ou noutro aspecto dessas indicações, conviria adiar a realização das obras previstas para depois de estar aprovado o plano geral. Nestas condições o Governo prestaria o seu concurso financeiro à Câmara de Sesimbra, nos estudos e, em certa medida, nas obras.”
Despacho de Agosto de 1938, do ministro Duarte Pacheco, incentivando a Câmara a promover um Plano de Urbanização, para elaboração do qual ele próprio virá a indicar o arquitecto Paulo Cunha.

Plano de Urbanização de Paulo Cunha

É o próprio Ministro quem quem indicará à Câmara o nome do arquitecto Paulo de Carvalho Cunha para realizar o Plano de Urbanização da Vila de Sesimbra: este apresenta uma proposta no dia 4 de Novembro, que a Câmara de Sesimbra delibera aceitar ainda nesse mês.

No final deste ano de 1938 trabalha-se intensamente na realização de trabalhos topográficos e em Outubro a Câmara comunica ao Governador Civil que já tem pronto “o projecto da Avenida Parque (Avenida Boa Esperança)”. Quando, em Fevereiro de 1940, o regime inquire as Câmaras sobre quais as obras realizadas “durante a Gloriosa Revolução Nacional”, a de Sesimbra inclui a Avenida Parque, mas “a realizar” em 1941. Em entrevista a’O Sesimbrense, Joaquim Preto Chagas especifica qual o objectivo desta avenida:

"Teremos uma via de comunicação, com cerca de 1.500 metros, atravessando a vila na direção Norte-Sul, projectada no vale do ribeiro da Misericórdia, e que, partindo do actual campo de jogos do União Foot-ball Cezimbra, irá desembocar na Esplanada Atlântico.

Para o efeito, a Câmara vai adquirir a vasta Quinta de Vila Amália, onde, no terreno sobrante ao leito da futura avenida, começaremos a imediata plantação de um núcleo florestal, com características de parque, que tão útil é para recreio da população.

No prolongamento do mesmo terreno, será construído um amplo edifício escolar, reservando-se outra parte para ser vendida em talhões, para construção de edifícios particulares, que ficarão ligando a mesma avenida."

A nova via estava baptizada: seria “Avenida da Boa Esperança”, nome da barca do arrais Alberto Pitorra, herói do salvamento de numerosas vidas durante o vendaval de 9-4-1934, designação que logo em Maio desse ano foi atribuída à travessa da República, a qual virá a ser integrada na avenida. Mas a nova artéria também aparece também designada em alguns documentos da Câmara como “Avenida Parque”, indicando o desejo da sua intensa arborização, que é visível nos desenhos do novo Plano.

O Plano de Urbanização de Paulo Cunha aparece referido, em algumas publicações, como tendo sido elaborado em 1945, mas é seguramente mais antigo, pois uma planta de conjunto do Plano já aparece publicada na Monografia de Sesimbra, de 1941.

Sabemos, por uma planta em que são identificadas as áreas a demolir, que este Plano previa a demolição de uma parte importante da zona antiga de Sesimbra, nomeadamente todo o quarteirão entre as ruas 31 de Janeiro e da Fortaleza.
Plano de urbanização de Paulo Cunha (1940), prevendo a demolição de importantes zonas do núcleo urbano antigo (assinaladas a amarelo).

Um dos elementos centrais do plano é, portanto, a Avenida Parque — conceito que já tinha sido definido pela Câmara, ainda antes das adjudicação do Plano, mas que Paulo Cunha irá consagrar nas suas propostas — desenvolvida segundo os pressupostos do movimento City Beautiful, com os seus eixos viários simétricos relativamente a esta avenida, com uma rotunda e uma crescente arborização de sul para norte, desenvolvimento coroado pelo Campo de Jogos. Hoje, a única coisa que ficou deste conceito de boulevard, é a Mata da Vila Amália.
Mata da Vila Amália: restos da "Avenida Parque" sonhada por alguns sesimbrenses. Mais imagens aqui e aqui.

A expansão da vila é proposta para a zona a poente, entre a Fonte Nova e Palames, com localização de uma grande piscina na Prainha, entre os morros do Macorrilho e Alcatraz.

O volume de demolições previstas neste plano, só por si, seria suficiente para o classificar como irrealizável, dados os seus custos, incomportáveis para a Câmara Municipal. Em 1945 surgem publicamente indicações de que o Plano será abandonado, e um novo arquitecto – Carlos Negrão – será encarregue de elaborar novo Plano, em Novembro desse mesmo ano

Plano de Urbanização de Carlos Negrão

O Plano de Carlos Negrão retoma alguns dos pressupostos do Plano anterior, mas com uma diferença substancial: as demolições são reduzidas ao mínimo. Mantém-se o conceito da Avenida Parque, mas o desenho simétrico surge agora amputado no lado nascente. O "L" formado pela nova avenida e pela Esplanada do Atlântico surge vocacionado para uso turístico, com instalação de diversos equipamentos, tais como uma grande central de camionagem, ocupando a zona marginal no Largo de Bombaldes, e o Clube Naval, um pouco mais a nascente.
Plano de urbanização de Carlos Negrão (1950).

Para a zona poente da vila, Carlos Negrão propõe um desenvolvimento semelhante ao de Paulo Cunha, com ocupação de baixa densidade, igualmente de natureza turística, com dois miradouros.

( continua )


Nota: as imagens apresentadas são do Arquivo Municipal de Sesimbra, com excepção das fotografias da Mata da Vila Amália.

Texto modificado em 11 de Maio de 2016