quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Peixe Agulha – e não Espadarte!

A "pesca desportiva do espadarte" foi praticada em Sesimbra desde 1954, ano em que foram capturados os primeiros exemplares: o primeiro por Manuel Frade, seguindo-se Arsénio Cordeiro e Fernando Teotónio Pereira. Pelo menos estas duas últimas capturas, tiveram o auxílio do pescador sesimbrense António Vicente ("Guiné").

Apesar do discurso oficial afirmar que se trata de uma pesca "emblemática" de Sesimbra, durou pouco tempo. O ano de maiores capturas foi o de 1958, com 19 peixes, mas a partir daí foram declinando. O ano de 1974, com 5 capturas, pode ser considerado como o último desta pesca, que durou apenas 20 anos. Desde então apenas se registaram capturas esporádicas.

Os pioneiros desta pesca, originários de Lisboa, designaram a espécie como Espadarte, mas em Sesimbra o seu nome era Peixe Agulha.

Consultando os manuscritos de Constantino Lacerda Lobo, redigidos no século 19, verificamos que a designação desta espécie – cujo nome científico é Xiphias Gladius – era, de facto, a de Peixe Agulha. Lacerda Lobo, que recolheu informações, sobretudo junto de pescadores da costa algarvia, escreveu:
  Fazem os Pescadores de Olhão a matança deste peixe em todos os meses do ano no mesmo mar aonde fazem a das Pescadas na profundidade de 100, até 125 braças de água, e distância da terra duas até duas léguas e meia. Não usam de outro aparelho mais do que do Anzol. Encontra-se por toda a Costa. Corta e estraga os Aparelhos e quando morre algum pesa ordinariamente cinco ou seis arrobas.

Manuscrito de Lacerda Lobo onde descreve a pesca do Peixe Agulha
(Biblioteca Nacional)

Nas notas de Lacerda Lobo encontram-se duas espécies com o nome Espadarte: o Espadarte ou Peixe Serra (nome científico, Squalus Pristis) e o Espadarte (nome científico, Esox Brasiliensis). Vejamos qual o "retrato" destas espécies:

Espadarte ou Peixe Serra (Squalus Pristis)

Espadarte (Esox Brasiliensis)


Portanto, os pescadores de Sesimbra estavam certos quando designavam o Xiphias Gladius como Peixe Agulha, e os lisboetas que aqui desenvolveram a sua pesca desportiva, enganaram-se provavelmente na designação, ou então não lhes agradou o nome de Peixe Agulha, optando pela mais romântica designação de Espadarte.

Com o desenvolvimento desta pesca, o sesimbrense José Pinto Braz pensou no seu aproveitamento turístico, e inaugurou, em 1957 (ou seja, três anos depois do início da pesca), a Pensão Espadarte, num edifício já em construção e destinado a habitação e comércio (no rés-do-chão). Mais tarde o estabelecimento obteria a classificação de hotel.

A promoção feita por José Pinto Braz desta pescaria, sobretudo no norte da Europa, em 1962, integrando-se nas missões de promoção turística de iniciativa do Governo, atraiu a Sesimbra grande número de turistas estrangeiros, entre os quais se destacou o francês Pierre Clostermann, que aqui acabou por adquirir uma residência e um barco, só para a prática desta pesca. Pierre Clostermann viria a realizar, em 1973, uma palestra no Clube Sesimbrense (Grémio), onde propôs a criação de um Parque Marítimo na Baía de Sesimbra, que depois viria a ser promovido pela Liga dos Amigos de Sesimbra, numa campanha coordenada por Rafael Monteiro e Orlando Vitorino.

Arsénio Cordeiro viria a escrever um livro sobre esta pesca, centrado sobretudo nos aspectos técnicos da captura, onde não deixa de homenagear os pescadores sesimbrense que, manobrando as suas aiolas, desempenhavam um papel essencial nesta pescaria.

A propósito da pesca do Peixe Agulha, tem de se referir a família Ratinhos, pescadores sesimbrenses, que apuraram a técnica de captura desta espécie com arpão, chegando a apanhar vários exemplares num só dia, sendo muito mais produtivos do que as demoradas e espaçadas capturas dos pescadores desportivos.
Dois Peixes Agulha capturados com arpão pela família Ratinhos.